Questão 6c53e527-24
Prova:PUC-GO 2015
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Figuras de Linguagem, Gêneros Textuais, Tipologia Textual, Funções da Linguagem: emotiva, apelativa, referencial, metalinguística, fática e poética., Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Nos processos de construção textual, muitas vezes, é possível inferir ações, eventos, significados, mesmo que não explicitados no texto. Pensando nisso, assinale a alternativa que indica corretamente o aspecto linguístico responsável pela inferência de que, no último parágrafo do texto, Pássaro Azul tem uma relação sexual com um homem:

TEXTO 8

      Aos 60 anos, Rossmarc foi confinado na cadeia Raimundo Pessoa em Manaus, dividindo uma cela com 80 detentos. Dormia no chão junto de uma fossa sanitária. Para manter-se vivo usava toda a sua inteligência para fazer acordos com os detentos. Lá havia de tudo: drogados, jagunços, pseudomissionários, contrabandistas etc. Fora vítima do advogado. Com toda a lábia, nunca fora a Brasília defender Rossmarc. Por não ter apresentado a defesa, foi condenado a 13 anos de prisão. O advogado sumira, Rossmarc perdera o prazo para recorrer. Como era estrangeiro, os juízes temiam que fugisse do Brasil. O juiz ordenou sua prisão imediata. A cela, com oitenta detentos, fervilhava, era mais do que o inferno. Depressivo, mantinha-se tartamudo num canto, remoendo sua história, recordando-se dos bons tempos em que navegava pelos rios da Amazônia com seus amigos primatas.

      Visitas? Só a de Pássaro Azul. Mudara-se também para Manaus e, sem nada dizer a Rossmarc, para obter dinheiro, prostituía-se num cabaré. Estava mais magra e algumas rugas se mostravam em seu rosto antes reluzente, agora de cor negra desgastada. Com o intuito de obter dinheiro, tanto para Rossmarc pagar as contas de dois viciados em crack no presídio, como para as custas de um advogado inexperiente, pouco se alimentava e ao redor dos olhos manchas entumecidas apareciam, deixando-a como alguém que consumia droga em exagero. As noitadas no cabaré enfumaçado e fedorento deixavam-na enfraquecida. Mas não deixara de amar o biólogo holandês. Quando fugira do quilombola, naquela noite, jurara amor eterno e não estava disposta a quebrar o juramento.

      Enquanto Pássaro Azul se prostituía para obter os escassos recursos, Rossmarc, espremido entre os oitenta detentos, procurava desesperadamente uma luz no fim do túnel. Lembrava-se dos amigos influentes, de jornalistas, de políticos, e cada vez que Pássaro Azul o visitava, ele implorava que procurasse essas pessoas. Pássaro Azul corria atrás, mas sequer era recebida. Quem daria ouvidos a uma negra que se dizia íntima de Rossmarc, o biólogo que cometera crimes de biopirataria? Na visita seguinte, Rossmarc indagava:

      — E dai, procurou aquela pessoa?

      Para não magoar o amado, ela respondia que todos estavam muito interessados em sua causa. Dizia, entretanto, sem entusiasmo, com os olhos acuados e baixos, para não ver o rosto magro e chupado de Rossmarc. Entregava-lhe o pouco dinheiro que economizava, fruto da prostituição, e saia de lá com os olhos rasos d’água, tolhendo os soluços.

      Numa noite no cabaré, Pássaro Azul conheceu um homem gordo e vesgo, que usava correntões de ouro. Dizia-se dono de um garimpo no meio da selva. Bebia e fumava muito, ria alto, com gargalhadas por vezes irritantes. Entre todas as raparigas, escolheu Pássaro Azul, que lhe fez todas as vontades, pervertendo-se de forma baixa e vil. Foram três noitadas intermináveis, mas Pássaro Azul aprendera a administrar a bebida. Não era tola, como as demais, que se embebedavam a ponto de caírem e serem arrastadas. Era carinhosa com o fazendeiro e saciava-lhe todos os caprichos. Não o abandonava, sentava em seu colo gordo e fazia-lhe agrados fingidos. Dava-lhe mais bebida e um composto de viagra, e o rosto gordo se avermelhava como de um leão enraivecido. Então, ela o puxava para o quarto sórdido. Na cama, enfrentava como guerreira o monte de carne e ossos, trepando sobre suas grandes papadas balofas e cavalgando, como uma guerreira. O homem resfolegava, gritava, gemia, uivava, mas Pássaro Azul não parava aquela louca cavalgada.

      [...]

(GONÇALVES, David. Sangue verde. Joinville: Sucesso Pocket, 2014. p. 217-218.)

A
o recurso da comparação tanto para o par masculino quanto para o par feminino, significando que ambos eram furiosos amantes.
B
o emprego predominante do pretérito imperfeito na descrição dos ruídos provocados pelo casal como forma de expressar que a ação era interminável.
C
o conjunto de elementos lexicais presentes no trecho e que são próprios do campo semântico da atividade sexual.
D
o uso de verbos de ação e de cognição que revelam o pensamento libidinoso do homem que usava correntões de ouro.

Gabarito comentado

J
João Silva Monitor do Qconcursos

Tema central da questão: O foco está na interpretação textual, mais especificamente na inferência de sentido por meio de elementos do campo semântico. Compreender campos semânticos é essencial para deduzir sentidos não explicitados em textos, habilidade frequentemente exigida em vestibulares e concursos.

Justificativa da alternativa correta (C):
A alternativa C é a correta ao afirmar que “o conjunto de elementos lexicais presentes no trecho e que são próprios do campo semântico da atividade sexual” permite inferir a ação. Isso ocorre porque diversas palavras e expressões do parágrafo analisado remetem direta ou indiretamente à sexualidade, construindo o sentido sem precisar mencionar explicitamente a relação sexual.

Palavras e expressões como: “puxava para o quarto sórdido”, “cavalgando, como uma guerreira”, “resfolegava, gritava, gemia, uivava”, “trepando sobre suas grandes papadas”, situam-se no campo semântico do ato sexual, conforme ensinam Celso Cunha & Lindley Cintra e Evanildo Bechara: o significado de um texto pode ser deduzido pela análise do conjunto lexical e suas relações de sentido.

Estratégia importante: quando o texto não explicita uma ação, observe os verbos, substantivos e adjetivos do parágrafo para identificar o contexto semântico.

Análise das alternativas incorretas:

A) Fala da “comparação” para ambos os gêneros e amantes furiosos, o que não ocorre no texto. A comparação existe, mas apenas para caracterizar a intensidade da ação de Pássaro Azul (“cavalgando, como uma guerreira”), e não para os dois personagens.

B) Menciona o uso do pretérito imperfeito para expressar ação interminável. Apesar de haver uso desse tempo verbal (“resfolegava”, “gritava”), ele não é o ponto-chave da inferência sobre o ato sexual.

D) Afirma que verbos de ação e cognição revelam um pensamento libidinoso do homem, porém, o texto relata mais as ações físicas e a performance de Pássaro Azul. A cognição do personagem masculino não é evidenciada.

Dica de prova: Fique atento ao conjunto de palavras que evocam um mesmo campo de sentido. Isso permite deduzir fatos que o texto insinua, mas não diz diretamente. Segundo a gramática normativa, tal técnica está ligada à coesão e coerência textual.

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