A sátira que a tira acima faz ao futebol tem como alvo:

Texto para a questão:
Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
Texto para a questão:
Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
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Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
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Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
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Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
Texto para a questão:
Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
Texto para a questão:
Complexo de d. Sebastião
Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em
nosso futebol não podem mais esperar, diz autor
Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik
ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?
WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.
ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.
WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.
ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?
WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.
ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?
WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.
(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Observe a charge abaixo, para responder à questão:
(http://iconoclastia.org/)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Observe a charge abaixo, para responder à questão:
(http://iconoclastia.org/)