No conjunto da obra de Mário de Andrade, destaca-se uma quase
militância pelo uso, na literatura, de uma língua próxima àquela que
se fala nas ruas. Um exemplo de aproximação com a oralidade do
cotidiano pode ser encontrado na alternativa:
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35
pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de
celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do
bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado.
Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém,
havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno,
falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os
“operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido.
Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos
bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em
Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem
respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os
safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira
comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de
tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até
metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas
não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os
bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho
dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com
discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do
Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado
assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)!
Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos,
uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia
mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo
no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação”
pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por
“drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)
Texto para a questão.
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
[...]
Abriu o jornal. Havia logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na nobreza do trabalho, nos operários que eram também os “operários da nação”, é isso mesmo. O 35 se orgulhou todo comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava roubava, trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraternidade, todos os seres juntos, todos bons... Depois vinham as notícias. Se esperavam “grandes motins” em Paris, deu uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente, quase sem respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na sua desmesurada força física, ah, as ruças de algum... polícia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse vagamente em motins de tarde no Largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos só bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia de ficar encurralado assim! é! E pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuaria, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da nação” pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(Mário de Andrade. “Primeiro de Maio” in Contos novos)