Questão 295bc2d7-de
Prova:Esamc 2014
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

De acordo com a análise de Wisnik, o grau altíssimo de “expectativa futebolístico-messiânica” deve-se à incapacidade de o torcedor brasileiro:

Texto para a questão:


Complexo de d. Sebastião

Neymar expia a culpa pela derrota, mas as mudanças em

nosso futebol não podem mais esperar, diz autor

Entrevista de Ivan Marsiglia com José Miguel Wisnik



ESTADÃO - A palavra mais usada nas avaliações da derrota da seleção brasileira para a alemã, por 7 a 1, na Copa de 2014, foi “apagão”. Concorda com ela?


WISNIK - Prefiro “implosão”. “Apagão” sugere uma falha de energia, um acidente de percurso, um lapso momentâneo. A comissão técnica, que se especializou na negação da evidência e da amplitude dos fatos, apega-se a essa versão. Implosão, em vez disso, significa que uma estrutura cedeu a pressões que ela não pôde mais suportar. Acho que é claramente esse o caso. Ou, pelo menos, é esse o claro enigma.


ESTADÃO - Outra palavra muito repetida foi 'vexame', e de tal proporção que teria redimido a histórica derrota na final de 1950 para o Uruguai.

WISNIK - “Vexame” dá uma inflexão moral a essa catástrofe futebolística, e quem dirá que não se trata de uma tremenda humilhação esportiva? Mas martelar a palavra soa como uma atualização do gozo regressivo da eleição do bode expiatório. Não vejo mais essa necessidade de achar nos jogadores o novo Barbosa e o novo Bigode, [jogadores culpabilizados pela derrota da seleção na Copa de 1950] felizmente. O que não passou, no entanto, é a permanente espera mágica pela vitória por goleada, independente da existência do adversário, combinada com a precária análise dos dados de realidade. Esse desequilíbrio pesa sobre os jogadores. O grau da expectativa futebolístico-messiânica é altíssimo, e não é de se espantar que o time brasileiro entre em colapso em certas situações cruciais. Aliás, isso já aconceu pelo menos três vezes: lá no Maracanazo [Copa de 1950], agora no Mineiraço, e na final de 1998 na França, depois da convulsão de Ronaldo. Não me consta que outras seleções nacionais passem pela mesma síndrome. Uma vez é um acidente. Duas, uma coincidência. Mas três é uma estrutura.


ESTADÃO - E de onde vem essa estrutura?

WISNIK - Essas partidas fazem pensar na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, durante a qual, segundo relatos, o jovem rei português d. Sebastião foi tomado por estranha catatonia, antes de desaparecer no deserto e ter a sua volta aguardada durante séculos pelos portugueses. [...] Em 1950, a equipe, encolhida na partida final ante a enormidade do sucesso ou do fracasso inéditos, esteve paralisada abaixo do seu tamanho. Em 2014, sucumbiu ante a expectativa maciça, projetada sobre ela, por algo maior do que seu tamanho. Nos dois casos, espelhados sintomaticamente em território brasileiro, há uma resistente dificuldade de dimensionar, isto é, de encarar o real, que se junta à euforização publicitária, à cobertura da Rede Globo, aos oportunismos políticos de todo tipo e ao baixo nível médio da cultura futebolística. Tudo continua muito parecido com o ambiente que cercou a final de 1950, embora sem a mesma inocência trágica.


ESTADÃO - Você escreveu que 'a glorificação frenética de Neymar, justificada pela excepcionalidade do jogador, disfarça uma ansiedade compensatória de fundo'. Por quê?

WISNIK - Sem querer me repetir, [a figura de Neymar] ferida encarnava d. Sebastião em batalha, desaparecido do campo, mas preservado misteriosamente da desgraça explícita e ocupando mais ainda o lugar mítico do Desejado.

(O Estado de S. Paulo, 12/07/2014. Disponível em http://m.estadao.com.br/ O Estado de S. Paulo noticias/ali%C3%A1s,complexo-de-d-sebastiao,1527395,0.htm, acesso em 01/09/2014)

A
afastar-se dos padrões impostos pela colonização portuguesa;
B
reconhecer que a sequência de derrotas na Copa impossibilita uma nova conquista;
C
considerar a possibilidade de que um acidente pode tirar um jogador da Copa;
D
avaliar elementos concretos como, por exemplo, a superioridade de outras seleções;
E
distinguir os limites entre uma manifestação esportiva e uma celebração religiosa.

Gabarito comentado

F
Fernando VazMentor Qconcursos

Gabarito comentado – Interpretação de Texto

Tema central: A questão exige interpretação textual, ou seja, a capacidade de compreender o sentido exposto pelo entrevistado, prestando atenção à ideia principal, inferências e relações de causa e consequência presentes no texto.

Análise do texto: Wisnik afirma que existe uma “permanente espera mágica pela vitória”, acompanhada de uma “precária análise dos dados de realidade”. Isso significa que o torcedor brasileiro tem dificuldade em considerar elementos reais e objetivos, como a força dos adversários, deixando-se levar por expectativas irreais e pela tradição de ótimos resultados no futebol.

Justificativa da alternativa correta:

D) avaliar elementos concretos como, por exemplo, a superioridade de outras seleções.

Nesta alternativa, está resumido o ponto central do comentário de Wisnik: o torcedor não considera fatores objetivos e concretos, como o desempenho real das demais equipes. Segundo Koch (“A Coerência Textual”), a interpretação exige captar o sentido explícito ou implícito do texto: “precária análise dos dados de realidade” é claramente um indício da dificuldade de avaliação racional.

Análise das alternativas incorretas:

A) afastar-se dos padrões impostos pela colonização portuguesa
Não há ligação no texto entre expectativas futebolísticas e colonização portuguesa; isso é uma generalização indevida.

B) reconhecer que a sequência de derrotas na Copa impossibilita uma nova conquista
O texto não fala de impossibilidade de vitória futura, mas de expectativas irreais a cada Copa.

C) considerar a possibilidade de que um acidente pode tirar um jogador da Copa
Apesar de citar a ausência de Neymar, o foco do autor é coletivo, não individual.

E) distinguir os limites entre manifestação esportiva e celebração religiosa
O texto não traz essa comparação — trata da análise racional do esporte.

Estratégias de interpretação: Atenção a palavras-chave (“dados de realidade”, “expectativa mágica”), identificar onde o texto explicita causas e consequências, evitando interpretações subjetivas ou extrapolações não sustentadas por trechos do texto.

Regra: Sempre basear a resposta na ideia principal e nos argumentos do autor, como ensinou Bechara (“Moderna Gramática Portuguesa”): a boa interpretação textual exige fidelidade às informações explícitas e à coerência do texto.

Resumo: A resposta correta é a alternativa D, pois corresponde diretamente à crítica feita por Wisnik sobre a falta de avaliação objetiva, recomendando atentar sempre para o real sentido expresso no texto.

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