O Escândalo do Petróleo
O petróleo está hoje praticamente monopolizado por dois imensos
trustes, a Standard Oil e a Royal Dutch & Shell. Como dominaram o petróleo, dominaram também as finanças, os bancos, o mercado do dinheiro: e
como dominaram o dinheiro, dominaram também os governos e as máquinas administrativas. Essa rede de dominação constitui o que neste livro
chamamos os Interesses Ocultos.
O Brasil, com o seu imenso território em tantos pontos marcado de
indícios de petróleo, constituía um perigo para esses trustes. Gustav Grossman, um geólogo que estudou secretamente as nossas possibilidades
petrolíferas, escreveu na conclusão dum seu relatório reservado, feito por
conta e uso dum desses trustes: Dada a sua área, a quantidade de petróleo
do Brasil talvez seja maior que a de qualquer outro país do mundo.
Ora, se era assim, o negócio dos trustes tinha de ser acaparar terras potencialmente petrolíferas do Brasil e também catequizá-lo, convencê-lo
de que em seus oito milhões e meio de quilômetros quadrados haverá
tudo, menos petróleo.
Esses trustes nos conhecem. Sabem que o brasileiro é uma espécie
de criança tonta, que realmente se interessa por jogo, farra, carnavais e
anedotas fesceninas. Sabem que o Brasil não dá a mínima importância ao
estudo, [...].
Os trustes sabem de tudo e sorriem lá entre si. Sabem que a partir de
1930 o brasileiro cada vez menos se utiliza do cérebro para pensar, como
fazem todos os povos. Sabem que os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro: com o
calcanhar, com o cotovelo, com certos penduricalhos, raramente com os
miolos. Daí o desmantelo cada vez maior da administração pública; daí a
bancarrota, a miséria horrível do povo. A miséria é tanta em certas zonas
que a grande massa da população rural já está perdendo a forma humana. Há povoados inteiros de papudos e nos fundões de Goiás surgem as
primeiras criaturas de rabo. Involução darwínica. [...]
Ao mesmo tempo, graças a uma hábil propaganda feita nas estradas
de rodagem por meio das bombas gasoline, convenceriam o indígena bocó de que era absurdo existir petróleo no Brasil, porque “Ora! Ora! Então
se aqui existisse petróleo pensa você que os americanos já não o tinham
tirado?”
Para gente que pensa com outras partes do corpo que não o cérebro, argumentos dessa ordem valem ouro. Matam a questão. E quarenta
milhões de criaturas passaram a repetir como papagaios os argumentos
“estandardizados” que as bombas de gasolina forneciam de lambuja a
cada comprador de essência.
Não era bastante. Tornava-se necessário meter ciência no meio. Organizar cientificamente o não-petróleo. Ora, o brasileiro tem uma concepção muito curiosa de ciência. Ciência é o que ele não entende. Se entende é besteira, não é ciência da legítima.
(LOBATO, Monteiro. O Escândalo do Petróleo.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. P.10-11)