No Texto 7, o enunciador descreve (assinale a alternativa
correta):
TEXTO 7
Memórias de um pesquisador
Não era bem vida, era uma modorra – mas de
qualquer modo suportável e até agradável. Terminou
bruscamente, porém, eu estando com vinte e oito
anos e um pequeno bujão de gás explodindo mesmo
à minha frente, no laboratório de eletrônica em que
trabalhava, como auxiliar. Me levaram às pressas
para o hospital, os médicos duvidando que eu escapasse.
Escapei, mas não sem danos. Perdi todos os
dedos da mão esquerda e três (sobraram o polegar e
o mínimo) da direita. Além disso fiquei com o rosto
seriamente queimado. Eu já não era bonito antes,
mas o resultado final – mesmo depois das operações
plásticas – não era agradável de se olhar. Deus, não
era nada agradável.
No entanto, nos primeiros meses após o acidente
eu não via motivos para estar triste. Aposentei-me
com um bom salário. Minha velha tia, com quem
eu morava, desvelava-se em cuidados. Preparava os
pastéis de que eu mais gostava, cortava-os em pedacinhos
que introduzia em minha boca – derramando
sentidas lágrimas cuja razão, francamente,
eu não percebia. Deves chorar por meu pai – eu dizia
– que está morto, por minha mãe que está morta,
por meu irmão mais velho que está morto; mas
choras por mim. Por quê? Escapei com vida de uma
explosão que teria liquidado qualquer um; não preciso
mais trabalhar; cuidas de mim com desvelo; de
que devo me queixar?
Cedo descobri. Ao visitar certa modista.
Esta senhora, uma viúva recatada mas ardente,
me recebia todos os sábados, dia em que os filhos estavam
fora. Quando me senti suficientemente forte
telefonei explicando minha prolongada ausência e
marcamos um encontro.
Ao me ver ficou, como era de se esperar, consternada.
Vais te acostumar, eu disse, e propus irmos
para a cama. Me amava, e concordou. Logo me deparei
com uma dificuldade: o coto (assim eu chamava
o que tinha me sobrado da mão esquerda) e a pinça
(os dois dedos restantes da direita) não me forneciam
o necessário apoio. O coto, particularmente, tinha
uma certa tendência a resvalar pelo corpo coberto
de suor da pobre mulher. Seus olhos se arregalavam;
quanto mais apavorada ficava, mais suava e mais o
coto escorregava.
Sou engenhoso. Trabalhando com técnicos
e cientistas aprendi muita coisa, de modo que logo
resolvi o problema: com uma tesoura, fiz duas incisões
no colchão. Ali ancorei coto e pinça. Pude assim
amá-la, e bem.
– Não aguentava mais – confessei, depois. – Seis
meses no seco!
Não me respondeu. Chorava. – Vais me perdoar,
Armando – disse – eu gosto de ti, eu te amo, mas
não suporto te ver assim. Peço-te, amor, que não me
procures mais.
– E quem vai me atender daqui por diante? –
perguntei, ultrajado.
Mas ela já estava chorando de novo. Levantei-me e saí. Não foi nessa ocasião, contudo, que fiquei
deprimido. Foi mais tarde; exatamente uma semana
depois.
[...]
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. Seleção de
Regina Zilbermann. São Paulo: Global, 2003. p.
176-177.)
TEXTO 7
Memórias de um pesquisador
Não era bem vida, era uma modorra – mas de qualquer modo suportável e até agradável. Terminou bruscamente, porém, eu estando com vinte e oito anos e um pequeno bujão de gás explodindo mesmo à minha frente, no laboratório de eletrônica em que trabalhava, como auxiliar. Me levaram às pressas para o hospital, os médicos duvidando que eu escapasse. Escapei, mas não sem danos. Perdi todos os dedos da mão esquerda e três (sobraram o polegar e o mínimo) da direita. Além disso fiquei com o rosto seriamente queimado. Eu já não era bonito antes, mas o resultado final – mesmo depois das operações plásticas – não era agradável de se olhar. Deus, não era nada agradável.
No entanto, nos primeiros meses após o acidente eu não via motivos para estar triste. Aposentei-me com um bom salário. Minha velha tia, com quem eu morava, desvelava-se em cuidados. Preparava os pastéis de que eu mais gostava, cortava-os em pedacinhos que introduzia em minha boca – derramando sentidas lágrimas cuja razão, francamente, eu não percebia. Deves chorar por meu pai – eu dizia – que está morto, por minha mãe que está morta, por meu irmão mais velho que está morto; mas choras por mim. Por quê? Escapei com vida de uma explosão que teria liquidado qualquer um; não preciso mais trabalhar; cuidas de mim com desvelo; de que devo me queixar?
Cedo descobri. Ao visitar certa modista.
Esta senhora, uma viúva recatada mas ardente, me recebia todos os sábados, dia em que os filhos estavam fora. Quando me senti suficientemente forte telefonei explicando minha prolongada ausência e marcamos um encontro.
Ao me ver ficou, como era de se esperar, consternada. Vais te acostumar, eu disse, e propus irmos para a cama. Me amava, e concordou. Logo me deparei com uma dificuldade: o coto (assim eu chamava o que tinha me sobrado da mão esquerda) e a pinça (os dois dedos restantes da direita) não me forneciam o necessário apoio. O coto, particularmente, tinha uma certa tendência a resvalar pelo corpo coberto de suor da pobre mulher. Seus olhos se arregalavam; quanto mais apavorada ficava, mais suava e mais o coto escorregava.
Sou engenhoso. Trabalhando com técnicos e cientistas aprendi muita coisa, de modo que logo resolvi o problema: com uma tesoura, fiz duas incisões no colchão. Ali ancorei coto e pinça. Pude assim amá-la, e bem.
– Não aguentava mais – confessei, depois. – Seis meses no seco!
Não me respondeu. Chorava. – Vais me perdoar, Armando – disse – eu gosto de ti, eu te amo, mas não suporto te ver assim. Peço-te, amor, que não me procures mais.
– E quem vai me atender daqui por diante? – perguntei, ultrajado.
Mas ela já estava chorando de novo. Levantei-me e saí. Não foi nessa ocasião, contudo, que fiquei deprimido. Foi mais tarde; exatamente uma semana depois.
[...]
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. Seleção de
Regina Zilbermann. São Paulo: Global, 2003. p.
176-177.)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de Texto e Semântica
Esta questão exige que o candidato compreenda não só o que é dito explicitamente, mas também os sentimentos subentendidos e as relações entre os personagens, habilidade essencial segundo gramáticas como Celso Cunha & Lindley Cintra e nas orientações de interpretação de textos de William Roberto Cereja.
Justificativa da alternativa correta (D):
A alternativa D está correta porque o texto retrata claramente a oposição de sentimentos: a modista, que tinha uma relação afetuosa com o protagonista (“me amava, e concordou”), acaba, frente às limitações físicas do pesquisador, por sentir uma espécie de repulsa ou desconforto (“não suporto te ver assim”). Essa dualidade entre amor e repulsa expressa com precisão a alternativa D.
Estratégia: Para interpretar questões semelhantes, busque palavras-chave que indiquem mudança de atitude ou emoção (“chorava”, “não suporto”, “me amava”) e analise o contexto em que elas aparecem. Esse cuidado evita que o candidato seja levado por impressões superficiais do texto.
Análise das alternativas incorretas:
A) O texto menciona a tristeza da tia, mas deixa claro que ela chora pelo protagonista e não pelos parentes mortos, além de não ser este o foco principal.
B) O enunciador não vive em desamparo; pelo contrário, ele tem um bom salário, cuidados e, inicialmente, não demonstra tristeza pelas sequelas, discordando do enunciado.
C) Não há descaso nem frieza por parte da viúva; ela, apesar do conflito, demonstra emoção. Além disso, o texto não associa diretamente a atitude dela a um estado de depressão imediato do narrador.
Resumo da estratégia: Nas questões de interpretação, leia atentamente os trechos que descrevem sentimentos, mudanças de postura e relações afetivas. Se possível, marque termos que aparecem associados a emoções opostas ou a transformações de comportamento.
Aplicação para provas: Questões assim cobram do candidato a leitura atenta, a identificação de subjetividades e oposições e a leitura crítica diante de alternativas que fazem sentido “parcial”, mas não total do ponto de vista do texto.
Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!
Estatísticas
Aulas sobre o assunto
- •






