Questão 6c413606-24
Prova:PUC-GO 2015
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Intertextualidade, Tipos de Discurso: Direto, Indireto e Indireto Livre, Funções da Linguagem: emotiva, apelativa, referencial, metalinguística, fática e poética., Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

No trecho extraído da obra Mesa dos inocentes, de Adelice da Silveira (Texto 7), podemos destacar várias expressões que revelam, ao mesmo tempo, elevado tom de humor e uma certa intromissão do narrador, o que caracteriza uma forma inteligente e divertida de prática do discurso indireto livre.

Com base na assertiva acima, assinale a alternativa cujo recorte melhor a representa:

TEXTO 7

      A gota que fez transbordar a caixa da paciência de vovó foi um casalzinho folgado. Cansada da algazarra, do som da sanfona, que por três dias e três noites vinha balançando os alicerces da Casa, vovó foi procurar refúgio na paz de seu quarto. Que paz que nada, ali também a festa rolava solta. Abismada, ela viu um casalzinho iniciando sua lua de mel, imaginem onde? Na cama de vovó! Pena que o urinol estivesse vazio. Furiosa, Ana Vitória pensou em apelar para o chicote. Depois seu pensamento voltou para os primeiros dias de seu casamento, lembrou-se da urgência que a fazia deixar tudo por fazer e ir atrás do marido no roçado. Viu a si mesma, viu os dois, ela e o marido, um casal corado e feliz se deitando debaixo de qualquer árvore. Dez meses após o casamento nasceu o primeiro filho, seguido de outros, um por ano. A leveza daquele início parecia tão distante, tão irreal. Uma lagrimazinha de saudade marejou seus olhos abatidos, rolou pela face cansada e foi morrer no peito murcho. Desanimada, ela pensou que nunca mais ia parar de ter filhos, de lavar bundinhas melecadas de cocô. Acabou deixando os pombinhos em paz, eles que aproveitassem a vida enquanto era possível. Mas avisou aos interessados que preferia perder um bom quinhão de suas terras a continuar convivendo com tamanha barafunda. Assim, a ideia remota da criação de um arraial foi posta em prática. Doações foram feitas e o terreno demarcado.

      As construções começaram a nascer com a rapidez dos cogumelos. Primeiro a igreja com a torre central, beiral duplo em madeira recortada em bicos. Paredes azuis, janelas brancas. Feinha a pobre igreja, mas nem por isso desprezada. Talvez sua maior virtude estivesse na singeleza, no aconchego. A igrejinha era o orgulho do povoado. Sobre o altar feito por um carpinteiro caprichoso, a imagem de um Cristo cansado, a cabeça pensa, o olhar vazio. Descascado, ensanguentado, provocava nos fieis uma piedade quase dolorosa. Foi nessa igreja que meus pais me apresentaram ao Nosso Criador.

(BARROS, Adelice da Silveira. Mesa dos inocentes. Goiânia: Kelps, 2010. p. 74-75.)

A
“Abismada, ela viu um casalzinho iniciando sua lua de mel”; “Furiosa, Ana Vitória pensou em apelar para o chicote”; “Foi nessa igreja que meus pais me apresentaram ao Nosso Criador”.
B
“Cansada da algazarra, do som da sanfona, que por três dias e três noites vinha balançando os alicerces da casa, vovó foi procurar refúgio na paz de seu quarto”; “um casalzinho folgado”.
C
“Que paz que nada, ali também a festa rolava solta”; “Pena que o urinol estivesse vazio”; “eles que aproveitassem a vida enquanto era possível”; “Feinha a pobre igreja, mas nem por isso desprezada”.
D
“Dez meses após o casamento nasceu o primeiro filho, seguido de outros, um por ano”; “Desanimada, ela pensou que nunca mais ia parar de ter filhos, de lavar bundinhas melecadas de cocô”.

Gabarito comentado

M
Martina MedinaMonitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de textos – Discurso indireto livre

A questão exige identificar, no texto, trechos marcados pelo discurso indireto livre. Esse recurso narrativo mistura a voz do narrador com pensamentos, falas ou sentimentos das personagens, sem necessidade de verbos de elocução (como “disse”, “pensou”, “afirmou”) e sem marcas tipográficas (“—”, aspas, etc.). Conforme Celso Cunha & Lindley Cintra, é a técnica pela qual “as palavras e ideias do personagem se inserem no discurso do narrador, criando uma voz híbrida”.

Justificativa para a alternativa correta (C):

A alternativa C apresenta exatamente esse tipo de mistura e intromissão:
“Que paz que nada, ali também a festa rolava solta”; “Pena que o urinol estivesse vazio”; “eles que aproveitassem a vida enquanto era possível”; “Feinha a pobre igreja, mas nem por isso desprezada”.

Nesses exemplos, as frases refletem tanto o olhar irônico do narrador quanto os sentimentos ou pensamentos das personagens, sem separação explícita. Isso produz um tom de humor crítico e aproxima o leitor do universo narrado. Trechos como “Que paz que nada” e “Pena que o urinol estivesse vazio” demonstram claramente a fusão narrativa típica do discurso indireto livre.

Análise das alternativas incorretas:

A) Traz trechos descritivos ou reflexivos, mas sempre com separação (“ela viu”, “pensou”), caracterizando o discurso indireto, não o indireto livre.

B) Contém apenas narração e descrição, sem fusão entre narrador e personagem ou marcas de intervenções subjetivas.

D) Mesma lógica da alternativa A: presença de “ela pensou que...” fraciona e afasta o efeito do discurso indireto livre.
Além disso, as frases são puramente descritivas, sem tom humorístico/irônico característico do indireto livre.

Dica de estratégia: Questões desse tipo costumam apresentar “pegadinhas” ao misturarem trechos reflexivos (mas com verbos de elocução) e apenas descritivos. Fique atento às falas que soam íntimas, rápidas, às vezes irônicas, sem verbos indicadores!

Conforme Bechara (“Gramática da Língua Portuguesa”), identificar o discurso indireto livre é perceber “falas misturadas fluentemente à voz narrativa”. Exercite essa percepção nos estudos!

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