Entre todas as palavras do momento, a mais flamejante
talvez seja desigualdade. E nem é uma boa palavra,
incomoda. Começa com des. Des de desalento, des de
desespero, des de desesperança. Des, definitivamente,
não é um bom prefixo.Desigualdade. A palavra do ano, talvez da década, não
importa em que dicionário. Doravante ouviremos falar
muito nela. De-si-gual-da-de. Há quem não veja nem soletre, mas está
escrita no destino de todos os busões da cidade, sentido
centro/subúrbio, na linha reta de um trem. Solano Trindade,
no sinal fechado, fez seu primeiro rap, “tem gente com
fome, tem gente com fome, tem gente com fome”, somente
com esses substantivos. Você ainda não conhece o
Solano? Corra, dá tempo. Dá tempo para você entender
que vivemos essa desigualdade. Pegue um busão da
Avenida Paulista para a Cidade Tiradentes, passe o valetransporte na catraca e simbora – mais de 30 quilômetros.
O patrão jardinesco vive 23 anos a mais, em média, do que
um humaníssimo habitante da Cidade Tiradentes, por
todas as razões sociais que a gente bem conhece. Evitei as estatísticas nessa crônica. Podia matar de
desesperança os leitores, os números rendem manchete,
mas carecem de rostos humanos. Pega a visão, imprensa,
só há uma possibilidade de fazer a grande cobertura: mirese na desigualdade, talvez não haja mais jeito de achar
que os pontos da bolsa de valores signifiquem a ideia de
fazer um país.
(Adaptado de Xico Sá, A vidinha sururu da desigualdade brasileira. Em El País,
28/10/2019. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/28/opinion/1572287747_637859.html?fbclid=IwAR1VPA7qDYs1Q0Ilcdy6UGAJTwBO_snM
DUAw4yZpZ3zyA1ExQx_XB9Kq2qU. Acessado em 25/05/2020.)
Assinale a alternativa que identifica corretamente recursos
linguísticos explorados pelo autor nessa crônica.
Gabarito comentado
Tema central:
A questão aborda interpretação de texto, com foco na identificação dos recursos linguísticos típicos do gênero crônica: oralidade, subjetividade do autor e uso expressivo da ortografia, todos fundamentais para a expressividade do texto.
Justificativa da alternativa correta (C):
A crônica apresentada utiliza marcas de oralidade (expressões como “Corra, dá tempo” e frases curtas), conferindo naturalidade, ritmo e proximidade com o leitor.
Há uso expressivo de recursos ortográficos, como a repetição (“tem gente com fome, tem gente com fome...”), uso de itálico (“Desigualdade”, “De-si-gual-da-de”) e jogos com pontuação, recriando a entonação da fala.
A subjetividade do autor é clara: o autor opina e se coloca (“Evitei as estatísticas nessa crônica.”), expondo sentimentos e perspectivas pessoais, característica marcante do gênero crônica, como ensina Bechara: “a crônica é marcada pela pessoalidade e envolvimento do cronista.”
Análise das alternativas incorretas:
A) “Texto impessoal” contradiz a forte presença do eu do autor, o que vai contra a essência subjetiva e envolvente da crônica.
B) Embora haja marcas de coloquialidade e 1ª pessoa, a linguagem não é “objetiva”: predomina a subjetividade, com opiniões e emoções explícitas.
D) “Linguagem neutra” é incoerente, já que a crônica é manifestamente engajada e pessoal. O autor se posiciona e faz apelos ao leitor, distante do que se entende por neutralidade na linguagem.
Estratégia de resolução:
Para questões que cobrem recursos linguísticos em gêneros textuais, procure identificar:
• Se o texto tem tom de conversa (oralidade, gírias, apelativos);
• Se há uso de recursos gráficos para enfatizar (itálico, maiúsculas, repetições);
• O quanto o texto revela das opiniões/sentimentos do autor (subjetividade).
Essas pistas ajudam a eliminar alternativas incoerentes e garantem segurança na escolha.
Resumo:
A alternativa C está correta por evidenciar oralidade, recursos ortográficos expressivos e a subjetividade do autor, traços centrais do texto. Fique atento a termos como “impessoalidade” ou “neutralidade”: quando o texto revela opinião ou discurso próximo do leitor, estas opções tendem a ser incorretas.
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