No livro Confissões, Santo Agostinho, principal representante
da Patrística medieval, trata do seguinte problema “É Deus o
autor do mal?”. Desse problema advêm as seguintes
indagações: “Onde está, portanto, o mal? De onde e por onde
conseguiu penetrar? Qual é a sua raiz e a sua semente?
Porventura não existe nenhuma? Por que recear muito, então,
o que não existe?”
Fonte: (AGOSTINHO, S. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 177
(Col. Os pensadores)).
Com relação ao problema do mal em Confissões analise as
afirmativas a seguir:
I. todas as coisas que existem são boas, e o mal não é uma
substância, pois, se fosse substância seria um bem.
II. todas as coisas que se corrompem não são boas, pois
são privadas de todo bem.
III. o mal se não é substância, é a perversão da vontade
desviada da substância suprema.
IV. o mal é a corrupção que afeta diretamente a substância
divina que está sujeita a ela.
Com base nas afirmativas, assinale a alternativa CORRETA.
Gabarito comentado
Alternativa correta: B — Apenas as afirmativas I e III estão corretas.
Tema central: A questão trata da solução agostiniana ao problema do mal — se Deus pode ser autor do mal — e da famosa doutrina da privatio boni (o mal como privação do bem). É fundamental entender conceitos como substância, privação, vontade e imutabilidade divina.
Resumo teórico (sintético e progressivo):
- Para Santo Agostinho (Confissões; De libero arbitrio) vale o princípio omne ens est bonum: tudo o que existe, por ser, participa do bem.
- O mal não é uma substância positiva, mas uma falta, uma privação do bem (privatio boni).
- Moralmente, o mal surge quando a vontade racional se afasta do Bem supremo (Deus): é uma corrupção da ordem da vontade.
- Deus, sendo perfeito e imutável, não pode ser causado nem afetado pelo mal; o mal não tem substância própria para "afetar" a divindade.
Justificativa da alternativa correta (I e III):
I — Correta. Afirmar que todas as coisas que existem são boas e que o mal não é substância está de acordo com Agostinho: se o mal fosse uma substância positiva, seria um ser e, portanto, participante do bem — contradição. (Fonte: Confissões; Enchiridion).
III — Correta. O mal moral é a perversão da vontade que se desvia do Bem supremo. Para Agostinho, pecado é desordem na vontade e no amor: amar o criado em detrimento do Criador.
Análise das alternativas incorretas:
II — Incorreta. Dizer que “todas as coisas que se corrompem não são boas, pois são privadas de todo bem” exagera: a corrupção implica privação parcial de bem, não ausência total. Coisas corruptíveis continuam a existir e, assim, participam do bem enquanto são; o mal é uma privação relativa, não a negação completa do ser.
IV — Incorreta. Afirma que “o mal é a corrupção que afeta diretamente a substância divina”. Isso contraria a doutrina agostiniana: Deus é imutável e incorruptível; o mal não pode atingir a substância divina — trata-se de corrupção nas criaturas/na vontade humana.
Dica de interpretação para concursos:
- Busque termos-chave: “substância”, “privação”, “vontade”, “divina”. Se uma alternativa atribui passividade ou corrupção a Deus, desconfiar: tradição patrística e escolástica afirmam a imutabilidade divina.
- Lembre que muitos itens são pegadinhas por uso de quantificadores absolutos (“todas”, “todo”): verifique se a afirmação é compatível com a nuance agostiniana (privação parcial vs. absoluta).
Fontes sugeridas: Santo Agostinho, Confissões; Enchiridion; De libero arbitrio. Para leitura secundária: glebas introdutórias sobre a doutrina da privatio boni em manuais de história da filosofia medieval.
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