Com relação às diversas formas de conhecimento, é correto afirmar que
A dúvida pode significar o fim de uma fé, ou pode significar o começo de outra. Em dose moderada, estimula o pensamento. Em excesso, paralisa-o. A dúvida, como exercício intelectual, proporciona um dos poucos prazeres puros, mas, como experiência moral, ela é uma tortura. Aliada à curiosidade, é o berço da pesquisa
e assim de todo conhecimento sistemático. Em estado destilado, mata toda curiosidade e é o fim de todo conhecimento.
O ponto de partida da dúvida é sempre uma fé, uma certeza.A fé é, pois, o estado primordial do espírito. O espírito “ingênuo” e “inocente” crê. Essa ingenuidade e inocência se dissolvem no ácido corrosivo da dúvida, e o clima de autenticidade se perde irrevogavelmente. As tentativas dos espíritos corroídos pela dúvida
de reconquistar a autenticidade, a fé original, não passam de nostalgias frustradas em busca da reconquista do paraíso perdido. As certezas originais postas em dúvida nunca mais serão certezas autênticas. Tal dúvida, metodicamente aplicada, produzirá novas certezas, mais refinadas e sofisticadas, mas essas certezas novas não serão autênticas. Conservarão sempre a marca da dúvida que lhes serviu de parteira.
A dúvida, portanto, é absurda, pois substitui a certeza autêntica pela certeza inautêntica. Surge, portanto, a pergunta: “por que duvido?” Essa pergunta é mais fundamental do que a outra: “de que duvido?” Trata-se, portanto, do último passo do método cartesiano: duvidar da dúvida — duvidar da autenticidade da dúvida.
A pergunta “por que duvido?” engendra outra: “duvido mesmo?”
Descartes, e com ele todo o pensamento moderno, parece não dar esse último passo. Aceita a dúvida como indubitável
Vilém Flusser. A dúvida. São Paulo: Editora Annablume, 2011, p. 21-2 (com adaptações).
Tendo o texto acima como referência inicial, julgue os itens de 110 a 118, assinale a opção correta no item 119, que é do tipo C, e faça o que se pede no item 120, que é do tipo D.
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A dúvida pode significar o fim de uma fé, ou pode significar o começo de outra. Em dose moderada, estimula o pensamento. Em excesso, paralisa-o. A dúvida, como exercício intelectual, proporciona um dos poucos prazeres puros, mas, como experiência moral, ela é uma tortura. Aliada à curiosidade, é o berço da pesquisa
e assim de todo conhecimento sistemático. Em estado destilado, mata toda curiosidade e é o fim de todo conhecimento. |
Gabarito comentado
Gabarito: D
Tema central: o enunciado trata das formas de conhecimento e do papel da dúvida no desenvolvimento da ciência moderna — ou seja, como o método científico e a atitude crítica impulsionaram a produção sistemática de conhecimento.
Resumo teórico (claro e progressivo): a ciência moderna se organiza por métodos que valorizam a observação, a experimentação, a formulação e a testagem de hipóteses. A dúvida metódica (ceticismo crítico) funciona como motor: ela impede a aceitação acrítica de verdades, conduz à verificação empírica e à reformulação de teorias. Autores essenciais: René Descartes (dúvida metódica como procedimento filosófico), Francis Bacon (ênfase no método empírico; Novum Organum) e Karl Popper (falsificabilidade como critério científico). O texto de Flusser citado problematiza a aceitação da dúvida como indubitável, mas reconhece seu papel central na investigação.
Justificativa da alternativa correta (D): afirmar que “o desenvolvimento da ciência moderna foi impulsionado a partir da organização do método científico, sendo a dúvida o pilar da investigação” corresponde ao consenso histórico-filosófico: a sistematização de procedimentos críticos e experimentais (método científico) tornou possível o progresso científico. A dúvida orienta formulação de hipóteses e testes, elimina dogmas e permite correção contínua do conhecimento.
Análise das alternativas incorretas:
A — Incorreta: há várias tipologias de conhecimento (mítico/religioso, senso comum, filosófico, científico, técnico etc.). Reduzir a “formação social” a apenas três tipos e rotular de forma rígida é impreciso e simplificador.
B — Incorreta: a ausência de dúvida e crítica tende a promover dogmatismo e intolerância. A tolerância costuma vir do reconhecimento crítico da pluralidade de argumentos; portanto, falta de questionamento não favorece tolerância às diferenças.
C — Incorreta: embora a Grécia antiga tenha instituído escolas filosóficas (Academia, Liceu), o que conhecemos por escola moderna de difusão do saber científico especializado só se consolidou mais tarde (universidades medievais e, sobretudo, a institucionalização moderna da ciência). A afirmação é anacrônica e confunde formas distintas de ensino e saber.
Estrategia de prova: busque palavras-chave (p.ex. “dúvida”, “método científico”, “impulsionado”) e teste alternativas com perguntas rápidas: “isso é histórico/conceitualmente correto?” ou “há generalização exagerada?” Elimine afirmações absolutas e anacrônicas.
Fontes recomendadas: René Descartes, Discourse on Method / Meditações; Francis Bacon, Novum Organum; Karl Popper, Conjectures and Refutations; Vilém Flusser, A dúvida.
Dica final: associe sempre “dúvida metódica” ao método científico e “dogmatismo” ao senso comum/ideologias — isso ajuda a responder rápido em provas.
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