Por ser um artigo de divulgação científica, o texto apresenta
uma linguagem
Leia o trecho inicial de um artigo do livro Bilhões e bilhões
do astrônomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996)
para responder à questão.
O tabuleiro de xadrez persa Segundo o modo como ouvi pela primeira vez a história,
aconteceu na Pérsia antiga. Mas podia ter sido na Índia ou
até na China. De qualquer forma, aconteceu há muito tempo.
O grão-vizir, o principal conselheiro do rei, tinha inventado um
novo jogo. Era jogado com peças móveis sobre um tabuleiro
quadrado que consistia em 64 quadrados vermelhos e pretos. A peça mais importante era o rei. A segunda peça mais
importante era o grão-vizir – exatamente o que se esperaria
de um jogo inventado por um grão-vizir. O objetivo era capturar o rei inimigo e, por isso, o jogo era chamado, em persa,
shahmat – shah para rei, mat para morto. Morte ao rei. Em
russo, é ainda chamado shakhmat. Expressão que talvez
transmita um remanescente sentimento revolucionário. Até
em inglês, há um eco desse nome – o lance final é chamado
checkmate (xeque-mate). O jogo, claro, é o xadrez. Ao longo
do tempo, as peças, seus movimentos, as regras do jogo,
tudo evoluiu. Por exemplo, já não existe um grão-vizir – que
se metamorfoseou numa rainha, com poderes muito mais
terríveis.
A razão de um rei se deliciar com a invenção de um jogo
chamado “Morte ao rei” é um mistério. Mas reza a história
que ele ficou tão encantado que mandou o grão-vizir determinar sua própria recompensa por ter criado uma invenção tão
magnífica. O grão-vizir tinha a resposta na ponta da língua:
era um homem modesto, disse ao xá. Desejava apenas uma
recompensa simples. Apontando as oito colunas e as oito filas de quadrados no tabuleiro que tinha inventado, pediu que
lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado,
o dobro dessa quantia no segundo, o dobro dessa quantia no
terceiro e assim por diante, até que cada quadrado tivesse
o seu complemento de trigo. Não, protestou o rei, era uma
recompensa demasiado modesta para uma invenção tão importante. Ofereceu joias, dançarinas, palácios. Mas o grão-vizir, com os olhos apropriadamente baixos, recusou todas
as ofertas. Só desejava pequenos montes de trigo. Assim,
admirando-se secretamente da humildade e comedimento de
seu conselheiro, o rei consentiu.
No entanto, quando o mestre do Celeiro Real começou a
contar os grãos, o rei se viu diante de uma surpresa desagradável. O número de grãos começa bem pequeno: 1, 2, 4, 8,
16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024... mas quando se chega ao
64o
quadrado, o número se torna colossal, esmagador. Na
realidade, o número é quase 18,5 quintilhões*. Talvez o grão-vizir estivesse fazendo uma dieta rica em fibras.
Quanto pesam 18,5 quintilhões de grãos de trigo? Se
cada grão tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos
juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas métricas, o
que é muito mais do que poderia ser armazenado nos celeiros do xá. Na verdade, esse número equivale a cerca de 150
anos da produção de trigo mundial no presente. O relato do
que aconteceu a seguir não chegou até nós. Se o rei, inadimplente, culpando-se pela falta de atenção nos seus estudos
de aritmética, entregou o reino ao vizir, ou se o último experimentou as aflições de um novo jogo chamado vizirmat, não
temos o privilégio de saber.
*1 quintilhão = 1 000 000 000 000 000 000 = 1018. Para se contar esse número a partir de 0 (um número por segundo, dia e noite), seriam necessários
32 bilhões de anos (mais tempo do que a idade do universo).
(Carl Sagan. Bilhões e bilhões, 2008. Adaptado.)
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de Texto – identificação das características da linguagem em um artigo de divulgação científica.
O enunciado solicita ao candidato que reconheça o tipo de linguagem empregado no texto de Carl Sagan, analisando seu tom, sua acessibilidade e sua intenção comunicativa.
Justificativa da alternativa correta (C – acessível e divertida):
A alternativa C está correta porque o autor utiliza uma linguagem clara, compreensível e envolvente. É possível perceber o cuidado de Carl Sagan em apresentar informações científicas complexas – como o cálculo dos grãos de trigo no tabuleiro – de forma leve e interessante. Ele recorre a analogias, explicações etimológicas curiosas (“xeque-mate”), pequenas ironias ("Talvez o grão-vizir estivesse fazendo uma dieta rica em fibras") e até observações bem-humoradas para prender a atenção do leitor.
Essas características compõem exatamente o que se espera de um texto de divulgação científica para o grande público, conforme enfatizam autores como Massarani e Leibruder: uma linguagem acessível, didática e, sempre que possível, cativante.
Análise das alternativas incorretas:
A) Técnica e impessoal: O texto não é repleto de jargão técnico, tampouco apresenta distanciamento emocional; pelo contrário, é narrado de maneira acolhedora e próxima ao leitor.
B) Hermética e mal-humorada: Ao dizer que algo é “hermético”, refere-se a um texto fechado, de difícil compreensão. O trecho é o oposto: transparente e com tom leve.
D) Rebuscada e pretensiosa: Não há traços de rebuscamento (uso excessivo de palavras sofisticadas) nem de superioridade. A intenção é justamente o contrário: simplificar o conhecimento.
E) Inteligível e pedante: De fato, o texto é inteligível (compreensível), mas “pedante” remete à arrogância intelectual, que não se aplica aqui.
Dica de interpretação: Em questões como esta, atente-se ao tom do texto, à escolha de palavras e à intenção do autor com o público. Expressões humorísticas, explicações simples e aproximação com o leitor são indícios de linguagem acessível e divertida.
Conclusão: Pela norma-padrão e gêneros textuais, a linguagem ideal para divulgação científica é a que concilia clareza, simplicidade e boa dose de descontração, exatamente como visto no texto de Carl Sagan.
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