Leia o trecho a seguir, retirado da obra Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, de Rosseau.

“Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas suas próprias roupas de peles, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar o corpo com várias cores, a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a cortar com pedras agudas algumas canoas de pescador ou alguns instrumentos grosseiros de música – em uma palavra: enquanto só se dedicavam a obras que um único homem podia criar e a artes que não solicitavam o concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de um comércio independente; mas, desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem.”

Sobre o processo de passagem dos homens de seu Estado de Natureza para seu Estado Social apresentado no texto indicado, assinale a alternativa CORRETA.

Alternativa correta: A

Tema central: o trecho trata da passagem do Estado de Natureza ao Estado Social em Rousseau (Discurso sobre a origem da desigualdade, 1755). É preciso entender como a perfectibilidade humana e o surgimento da propriedade promovem desigualdade, trabalho e dependência social.

Resumo teórico rápido e progressivo: Para Rousseau, o homem no Estado de Natureza é relativamente independente e guiado por necessidades simples. A faculdade da perfectibilité (capacidade de se modificar e aperfeiçoar) permite desenvolver novas necessidades e relações sociais. Quando surge a propriedade e a cooperação necessária para produzi-la, instala-se a desigualdade e a corrupção das condições naturais.

Justificativa da alternativa A: O enunciado descreve exatamente esse movimento: a partir da necessidade mútua e da propriedade, desaparece a igualdade e germinam escravidão e miséria. Rousseau identifica a perfectibilité como a faculdade que permite ao homem evoluir e, ao mesmo tempo, ser a fonte das "desgraças" ao criar vínculos sociais e desejos que originam desigualdade. Assim, A resume corretamente a tese do trecho.

Análise das alternativas incorretas:

B — Incorreta. Rousseau não diz que a liberdade é a principal corruptora; a crítica recai sobre o surgimento de instituições sociais (propriedade, convenções) que transformam a liberdade natural em dependência. A liberdade natural não é apontada como causa das desgraças.

C — Incorreta. O texto afirma o oposto: a transição favorece a desigualdade, não a igualdade; a propriedade e a necessidade do trabalho coletivo geram distinções sociais.

D — Incorreta. A passagem ao Estado Político, segundo Rousseau, não constitui um progresso benéfico para preservar as características naturais; resulta em corrupção moral e perda da liberdade natural.

E — Incorreta. O rótulo "bom selvagem" descreve o homem no Estado de Natureza, não no Estado Político. No Estado Político o homem já foi corrompido pelas instituições sociais.

Estratégia de resolução: procure palavras-chave no enunciado — “propriedade”, “igualdade desapareceu”, “necessidade do socorro de outro” — e relacione-as com conceitos rousseauanos: perfectibilidade, propriedade e desigualdade. Desconfie de alternativas que invertam sujeito/causa (ex.: culpar liberdade quando o texto culpa instituições).

Fonte principal: Jean-Jacques Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755).

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