Questão 41b7a82a-cc
Prova:UFMS 2018
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Figuras de Linguagem, Coesão e coerência, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Leia o texto a seguir.

Hum? Eh-eh... É. Nhor sim. Ã-hã, quer entrar, pode entrar... Hum, hum. Mecê sabia que eu moro aqui? Como é que sabia? Hum-hum... Eh. Nhor não, n’t, n’t... Cavalo seu é esse só? Ixe. Cavalo tá manco, aguado. Presta mais não. Axi... Pois sim. Hum, hum. Mecê enxergou este foguinho meu, de longe? É. A’pois. Mecê entra, cê pode ficar aqui.

Hã-hã. Isto não é casa... É. Havéra. Acho. Sou fazendeiro não, sou morador... Eh, também sou morador não. Eu – toda a parte. Tou aqui, quando eu quero eu mudo. Aqui eu durmo. Hum. Nhém? Mecê é que tá falando. Nhor não... Cê vai indo ou vem vindo?

Hã, pode trazer tudo pra dentro. Erê Mecê desarreia cavalo, eu ajudo. Mecê peia cavalo, eu ajudo... Traz alforje pra dentro, traz saco, seus dobros. Hum, hum Pode. Mecê cipriuara, homem que veio pra mim, visita minha; iá-nhã? Bom. Bonito. Cê pode sentar, pode deitar no jirau. Jirau é meu não. Eu – rede. Durmo em rede. Jirau é do preto. Agora eu vou ficar agachado. Também é bom. Assopro o fogo. Nhem? Se essa é minha, nhem? Minha é a rede. Hum. Hum-hum. É. Nhor não. Hum, hum... Então, por que é que cê não quer abrir saco, mexer no que tá lá dentro dele? Atié Mecê é lobo gordo... Atié... É meu, algum? Que é que eu tenho com isso? Eu tomo suas coisas não, furto não. A-hé, a-hé, nhor sim, eu quero. Eu gosto. Pode botar no coité. Eu gosto demais...

ROSA, João Guimarães. Meu tio o Iauaretê. In.: ______. Estas histórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 191. (Fragmento)

O conto “Meu tio o Iauaretê” é considerado um dos momentos primorosos da concepção de estilo do escritor João Guimarães Rosa. A partir do fragmento que dá início ao conto, é correto afirmar que:

A
Como já é de conhecimento no senso comum, são empregados pelo escritor inúmeros neologismos, como “jirau”, “aguado” e “coité”, presentes no fragmento apresentado.
B
É notável que houve um trabalho estilístico, na medida em que são imperceptíveis as escolhas fonéticas, morfológicas ou sintáticas que diferenciam a linguagem empregada no trecho em questão da norma padrão do português brasileiro.
C
O narrador expressa-se em primeira pessoa e o fragmento do conto dá a entender que se trata de um diálogo, como se pode perceber por marcas do registro oral tal qual “Hum?”, “Eheh” e “n’t n’t”, que buscam representar sons da fala. No entanto, apesar de perceber que o narrador está conversando com alguém (“Mecê é que tá falando. [...] Cê vai indo ou vem vindo?”), o leitor não tem acesso às falas do interlocutor.
D
A utilização de termos como “hã-hã”, “hum-hum”, “erê”, “Axi” ou “a-hé” não tem função na linguagem fora do contexto literário, visto que tais expressões não são encontradas na língua falada e referem-se, exclusivamente, a criações do escritor com fins puramente estéticos
E
Os caracteres telegráficos, perceptíveis por meio do emprego de frases curtas e intercaladas, coadunados ao uso excessivo de expressões que buscam representar a fala, denotam o emprego de uma linguagem tipicamente jornalística, própria da experiência profissional do escritor.

Gabarito comentado

M
Marcelo GomesMonitor do Qconcursos

Gabarito comentado – Alternativa C

Tema central: A questão exige interpretação de texto aliada a conhecimentos sobre narrativa em primeira pessoa e marcas de oralidade. Para resolver, é essencial saber identificar sinais de fala, o tipo de narrador e como o autor cria um diálogo apenas pelas falas de um personagem.

Análise da alternativa correta (C):

A alternativa afirma que o narrador fala em primeira pessoa e o leitor percebe tratar-se de um diálogo devido às expressões da oralidade (“Hum?”, “Eh-eh”, “n’t n’t”), mas não vê o que o interlocutor diz. Isso corresponde ao trecho: “Mecê é que tá falando. Nhor não... Cê vai indo ou vem vindo?”. Ou seja, só acompanhamos as falas do narrador, sendo necessário deduzir a outra parte do diálogo. Esse recurso literário ilustra o que Celso Cunha & Lindley Cintra chamam de “diálogo implícito”, onde um personagem se dirige a alguém, mas só suas palavras aparecem.

O texto apresenta pronome e verbo na primeira pessoa (“eu mudo”, “eu durmo”), confirmando o ponto de vista. As expressões citadas são marcas de oralidade, transmitindo naturalidade ao discurso.

Análise das alternativas incorretas:

A) Errada. “Jirau”, “aguado” e “coité” não são neologismos; são palavras existentes em português, especialmente em regionalismos. Segundo Bechara, neologismo é a criação de um termo novo, o que não se aplica aqui.

B) Errada. Ao contrário do que afirma, as escolhas que diferenciam do padrão culto são notórias: oralidade, diminuição de frases, alteração gramatical. O trabalho estilístico é evidente.

D) Errada. Palavras como “hã-hã”, “hum-hum”, “a-hé” têm função na língua falada cotidiana, não são exclusivas criações de Guimarães Rosa.

E) Errada. O texto não é jornalístico, mas literário. O uso de frases curtas e elementos da fala aproxima-se da tradição oral, não do estilo jornalístico objetivo.

Dicas para questões desse tipo: Preste atenção às marcas de diálogo, pessoa do discurso e sinais de oralidade. Muitas vezes, o leitor precisa “preencher lacunas” deixadas pelo escritor – o que exige atenção ao contexto. Concentre-se em como o texto se difere do padrão culto, se há elementos da fala, se o narrador participa da história.

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