Em relação ao título e ao conteúdo do texto, considere as afirmativas a seguir.
I. Quando prescritos por especialistas, os conselhos amorosos têm grande possibilidade de dar certo.
II. Apesar de se chamar “Receita”, o texto não contém todos os elementos típicos de um texto instrucional.
III. Como um texto instrucional, o gênero receita é construído com o uso de verbos no modo imperativo.
IV. Para o eu do cronista, os conselhos não resolverão os problemas, só servirão para passar o tempo.
Assinale a alternativa correta.
Leia a crônica a seguir e responda à questão.
Receita para mal de amor
Minha querida amiga:
Sim, é para você mesma que estou escrevendo – você que aquela noite disse que estava com vontade
de me pedir conselhos, mas tinha vergonha e achava que não valia a pena, e acabou me formulando
uma pergunta ingênua:
– Como é que a gente faz para esquecer uma pessoa?
E logo depois me pediu que não pensasse nisso e esquecesse a pergunta, dizendo que achava que
tinha bebido um ou dois uísques a mais...
Sei como você está sofrendo, e prefiro lhe responder assim pelas páginas de uma revista – fazendo de
conta que me dirijo a um destinatário suposto.
Destinatário, destinatária... Bonita palavra: não devia querer dizer apenas aquele ou aquela a quem
se destina uma carta, devia querer dizer também a pessoa que é dona do destino da gente. Joana é
minha destinatária. Meu destino está em suas mãos; a ela se destinam meus pensamentos, minhas
lembranças, o que sinto e o que sou: todo este complexo mais ou menos melancólico e todavia tão
veemente de coisas que eu nasci e me tornei.
Se me derem para encher uma fórmula impressa ou uma ficha de hotel eu poderei escrever assim:
Procedência – São Paulo; Destino – Joana. Pois é somente para ela que eu marcho. No táxi, no bonde,
no avião, na rua, não interessa a direção em que me movo, meu destino é Joana. Que importa saber
que jamais chegarei ao meu destino?
Isso eu gostaria de lhe dizer, minha amiga, com a autoridade triste do mais vivido e mais sofrido: amar é
um ato de paciência e de humildade; é uma longa devoção. Você me responderá que não é nada disso;
que você já chegou ao seu destinatário e foi devolvida como se fosse uma carta com o endereço errado.
Que teve alguns dias, algumas horas de felicidade, e por isso agora sofre de maneira insuportável. Então
lhe aconselho a comprar um canivete bem amolado e afinar dezoito pedacinhos de pau até ficarem bem
pontudos, bem lisos, perfeitamente torneados – e depois deixá-los a um canto. Apanhar uma folha
de papel tamanho ofício e enchê-la com o nome de seu amado, escrevendo uma letra bem bonita,
de preferência com tinta azul. Em seguida faça com essa folha um aviãozinho, e o jogue pela janela.
Observe o voo e a aterrissagem. Depois desça, vá lá fora, apanhe o avião de papel, desdobre a folha
novamente (pode passá-la a ferro, para o serviço ficar mais perfeito e não haver mais nenhum indício
da construção aeronáutica) e volte a dobrá-la, desta vez ao meio. Dobre outras vezes, até obter o
menor retângulo possível. Então, com o canivete, vá cortando as partes dobradas até transformar toda
a folha em minúsculos papeizinhos, tão pequenos que o nome de seu amado não deve caber inteiro em
nenhum deles. Aí, apanhe todos aqueles pauzinhos que tinha deixado a um canto e, com os pedacinhos
de papel, faça uma fogueira com o máximo cuidado até que restem somente cinzas. A seguir poderá
repetir a operação...
– Adianta alguma coisa?
Por favor, querida amiga, não me faça esta pergunta. Nada adianta coisa alguma, a não ser o tempo; e
fazer fogueirinhas é um meio tão bom quanto qualquer outro de passar o tempo.
(BRAGA, R. A Traição das Elegantes. Rio de Janeiro: Record, 1982. p.17.)
Gabarito comentado
Assunto central da questão: Interpretação de texto, com foco em gênero textual (receita/instrucional) e análise da intenção do autor.
Análise e justificativa da alternativa correta (E):
A questão exige a leitura atenta não só do conteúdo literal, mas também dos sentidos implícitos e das características do gênero textual. Veja:
II. Apesar de se chamar “Receita”, o texto não contém todos os elementos típicos de um texto instrucional.
Correta. O texto usa o título de “receita” de forma irônica/metafórica. Apesar de listar etapas, não apresenta ingredientes, quantidades, nem segue metodologia padrão (como manda a norma-padrão para gêneros instrucionais). Como reforça Evanildo Bechara, gêneros possuem estruturas específicas a que devem se adequar.
III. Como um texto instrucional, o gênero receita é construído com o uso de verbos no modo imperativo.
Correta. Receitas e textos instrucionais são caracterizados pelo uso do imperativo (“Misture”, “Leve ao forno”), conforme as gramáticas. Celso Cunha & Lindley Cintra ensinam que o imperativo sugere instrução, conselho ou ordem. O texto dialoga com essa característica, ainda que de forma não convencional.
IV. Para o eu do cronista, os conselhos não resolverão os problemas, só servirão para passar o tempo.
Correta. No final, o autor afirma que “Nada adianta coisa alguma, a não ser o tempo; e fazer fogueirinhas é um meio tão bom quanto qualquer outro de passar o tempo.” Assim, ele confirma que conselhos (e até as “receitas”) não têm eficácia, apenas entretêm.
Por que as demais afirmativas estão erradas?
I. “Quando prescritos por especialistas, os conselhos amorosos têm grande possibilidade de dar certo.”
Errada. O texto não menciona eficácia de conselhos de especialistas. Toda a abordagem é cética sobre soluções rápidas para o “mal de amor”, reforçando a ideia de que somente o tempo resolve.
Estratégia para concursos:
Grife palavras que fogem do sentido do texto ou introduzam opiniões externas. Frases genéricas costumam ser pegadinhas!
Conclusão:
Somente as afirmativas II, III e IV estão corretas. A alternativa correta é letra E.
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