Questão 08d82465-da
Prova:UNIFESP 2016, UNIFESP 2016
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Figuras de Linguagem, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

No primeiro parágrafo, o autor recorre a uma construção paradoxal em:

Leia o trecho inicial de Raízes do Brasil, do historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), para responder à questão.

    A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem.
    Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcançar bom êxito a tentativa, caberia averiguar até onde temos podido representar aquelas formas de convívio, instituições e ideias de que somos herdeiros.
    É significativa, em primeiro lugar, a circunstância de termos recebido a herança através de uma nação ibérica. A Espanha e Portugal são, com a Rússia e os países balcânicos (e em certo sentido também a Inglaterra), um dos territórios- -ponte pelos quais a Europa se comunica com os outros mundos. Assim, eles constituem uma zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos, desse europeísmo que, não obstante, mantêm como um patrimônio necessário.
    Foi a partir da época dos grandes descobrimentos marítimos que os dois países entraram mais decididamente no coro europeu. Esse ingresso tardio deveria repercutir intensamente em seus destinos, determinando muitos aspectos peculiares de sua história e de sua formação espiritual. Surgiu, assim, um tipo de sociedade que se desenvolveria, em alguns sentidos, quase à margem das congêneres europeias, e sem delas receber qualquer incitamento que já não trouxesse em germe.
    Quais os fundamentos em que assentam de preferência as formas de vida social nessa região indecisa entre a Europa e a África, que se estende dos Pireneus a Gibraltar? Como explicar muitas daquelas formas, sem recorrer a indicações mais ou menos vagas e que jamais nos conduziriam a uma estrita objetividade?
    Precisamente a comparação entre elas e as da Europa de além-Pireneus faz ressaltar uma característica bem peculiar à gente da península Ibérica, uma característica que ela está longe de partilhar, pelo menos na mesma intensidade, com qualquer de seus vizinhos do continente. É que nenhum desses vizinhos soube desenvolver a tal extremo essa cultura da personalidade, que parece constituir o traço mais decisivo na evolução da gente hispânica, desde tempos imemoriais. Pode dizer-se, realmente, que pela importância particular que atribuem ao valor próprio da pessoa humana, à autonomia de cada um dos homens em relação aos semelhantes no tempo e no espaço, devem os espanhóis e portugueses muito de sua originalidade nacional. [...]
    É dela que resulta largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação entre esses povos. Em terra onde todos são barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida.

(Raízes do Brasil, 2000.)

A
“condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar”.
B
“somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”.
C
“timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil”.
D
“enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos”.
E
“o fato dominante e mais rico em consequências”.

Gabarito comentado

J
Juliana CastroMonitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de texto — Figura de Linguagem: Paradoxo

A questão exige que o candidato identifique, entre as alternativas, um paradoxo – ou seja, uma figura de linguagem em que duas ideias aparentemente contraditórias se unem, expressando uma verdade mais profunda. Segundo Celso Cunha & Lindley Cintra e Evanildo Bechara, o paradoxo atua justamente quando há choque entre opostos que, juntos, revelam um sentido inesperado.

Justificativa da Alternativa Correta (B):

"somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra" é um paradoxo. O sentido literal de “desterrados” é o de quem está fora de sua terra natal, mas a frase afirma que estamos desterrados na própria terra. Essa contradição aparente ressalta a alienação cultural e o sentimento de não pertencimento na sociedade brasileira. É um exemplo clássico do efeito do paradoxo: duas ideias opostas, formando um novo sentido.

Análise das Alternativas Incorretas:

A) “condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar”: Aqui, há apenas oposição (antítese) entre tradição e ambiente, sem contradição essencial.
C) “timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil”: Não há paradoxo, mas dificuldade real, sem choque contraditório.
D) “enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos”: Ideia de evolução; nada contraditório ou paradoxal.
E) “o fato dominante e mais rico em consequências”: Apenas reforço de importância, sem relação paradoxal.

Dica para provas: Em questões de figuras de linguagem, busque a presença de contradição aparente, que provoque reflexão — um paradoxo “obriga” o leitor a embarcar numa lógica não convencional.

Estratégia: Se o enunciado pedir paradoxo, elimine alternativas que apenas contrastam ideias (antítese) ou apresentam simples dificuldade ou reforço. Concentre-se nas que criam tensão irresolúvel dentro da própria frase.

Aprenda e treine a identificação dessas sutilezas para avançar com segurança em interpretação de textos e literatura para concursos.
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