Um príncipe sábio não pode nem deve manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa
que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhes traz prejuízo. Este preceito não seria bom se os
homens fossem todos bons. Como, porém, são maus e, por isso mesmo, faltariam à palavra que
caso nos dessem, nada impede venhamos nós a faltar também à nossa. Razões legítimas para
encobrir esta inobservância, tê-las-á sempre o príncipe, e de sobra.
Maquiavel, O Príncipe. 1512.
Sabemos que Maquiavel alterou profundamente o modo como se via e se praticava política até então.
Nessa passagem, podemos observar uma dessas alterações.
Assinale a alternativa que corresponde à alteração proposta.
Gabarito comentado
Alternativa correta: B
Tema central: a passagem trata da relação entre ética e política em Maquiavel — ou seja, da separação entre normas morais privadas e exigências da ação política. Para resolver a questão é preciso reconhecer que Maquiavel avalia a ação do príncipe pela sua eficácia política, não segundo a moral cristã tradicional.
Resumo teórico e referência: Em O Príncipe (Maquiavel, 1512) o autor introduz uma visão pragmática: o governante pode violar promessas se o cumprimento lhe causar prejuízo, porque a política obedece a critérios de sucesso e manutenção do poder. Isso marca uma ruptura com a ideia de que a política deve ser guiada pela ética pessoal. Fontes: Maquiavel, O Príncipe; comentários introdutórios em manuais de teoria política sobre realismo político.
Por que B é correta: A alternativa B afirma que se observa a separação entre ética e política. O trecho explícita essa separação: o príncipe não é obrigado à fidelidade moral quando a fidelidade prejudica o estado. Logo, Maquiavel legitima decisões políticas independentes das regras morais usuais — exatamente a proposta apontada em B.
Análise das alternativas incorretas:
A — divisão entre governantes e governados: embora exista na obra a distinção entre príncipe e súditos, a passagem não propõe essa divisão como inovação; não é essa a mudança central que o enunciado destaca.
C — “primeiro teórico a usar métodos racionais”: enganoso. Maquiavel usou empirismo e análise histórica, mas não é preciso (nem necessário) afirmá‑lo como “o primeiro” a usar racionalidade. A passagem trata de conduta política, não de primazia metodológica.
D — ideia de estado de natureza com homens bons e estado civil com homens maus: é anacrônico. Conceitos de “estado de natureza” e formulações sobre bondade/maaldade humana aparecem em Hobbes/Locke e não correspondem à leitura correta aqui. Maquiavel descreve homens como inclinados ao interesse/pragmatismo, não elabora teoria contratualista clássica.
E — “o bom governante é aquele que respeita a maldade dos homens”: alternativa parecida, mas imprecisa. Maquiavel não recomenda “respeitar” a maldade como valor; ele recomenda agir segundo a realidade humana, podendo infringir normas morais pela eficácia política. A ênfase correta é na autonomia da política frente à ética — isto é, separação (B) — não simplesmente “respeitar” a maldade (E).
Estratégia de leitura para provas: ao analisar enunciados procure por palavras-chave (ex.: “fiel às suas promessas”, “prejuízo”, “homens são maus”) que indicam pragmatismo e conflito entre moral e eficácia. Cuidado com alternativas que aproximam ideias corretas demais (E) — verifique se a formulação coincide exatamente com o texto.
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