O Texto 4 faz referência a dúvida e a certeza. Descartes,
o pai da filosofia moderna, começa duvidando de
tudo. Na verdade, o seu método parte de um ceticismo
que é levado ao extremo para se chegar a uma verdade
indubitável. Tendo Descartes como referência, analise as
proposições a seguir e marque a alternativa correta:
TEXTO 4
A dúvida, continuou Laura, maldita dúvida.
Essa é minha companheira, a sombra inconveniente
que me segura pelos calcanhares, que há de seguir
comigo até o túmulo. A morte de Tomázia, será que
ela me convinha? Talvez me conviesse. Essa hipótese,
eu não tenho como descartar. Seu desaparecimento
anularia a prova de meu crime? Teria poder para
apaziguar a culpa que continuava latejando mesmo
depois de meu rompimento definitivo com Vítor? A
dúvida acabou se revelando muito superior à certeza.
Mil, um milhão de vezes mais forte. Talvez se eu tivesse
sido obrigada a confessar meu crime aos pés de
um juiz, se tivesse sido enjaulada entre mulheres que
me odiavam, que me submetessem ao horror do estupro,
que atentassem contra minha pessoa, a sensação de culpa tivesse sido atenuada. Juro que cheguei
a sentir inveja do destino reservado às muçulmanas
que cometem o pecado do adultério. Desejei, sim,
ser publicamente difamada, arrastada pelos cabelos,
enterrada até o pescoço, e, finalmente, ter a cabeça
esfacelada a pedradas. Qualquer coisa, qualquer situação
limite teria sido menos penosa do que seguir
carregando a culpa, enquanto simulava a mais absoluta
indiferença. Não tenho vocação para o disfarce, a
simulação. Ah, como eu lamentei a perda de meu direito
de exibir minha fraqueza como outras mulheres
faziam! Mas não, eu tinha a permanente obrigação de
ser forte, de estar preparada para o momento em que
meu mundo viesse abaixo, como veio.
A visão de mulheres com as cabeças esfaceladas,
transformadas em um bolo de carne sangrento e disforme, partículas de cérebro espatifadas pra tudo que
é lado, arrepiou meu corpo dolorido. Sentindo um
princípio de náusea, comecei a fungar uma emoçãozinha
desconfiada. Essa bruxa tá me embromando,
penso, daqui a pouco eu entro na dela, caio em prantos
e, alagada de piedade, abraço a velha, aliso seus
cabelos grisalhos, cubro-lhe a face enrugada com
beijinhos consoladores. Calma, tia, calma! Cuidado
com a pressão. Tem aí algum tranquilizante que eu
possa lhe dar?
(BARROS, Adelice da Silveira. A mesa dos inocentes.
Goiânia: Kelps, 2010. p. 23.)
TEXTO 4
A dúvida, continuou Laura, maldita dúvida. Essa é minha companheira, a sombra inconveniente que me segura pelos calcanhares, que há de seguir comigo até o túmulo. A morte de Tomázia, será que ela me convinha? Talvez me conviesse. Essa hipótese, eu não tenho como descartar. Seu desaparecimento anularia a prova de meu crime? Teria poder para apaziguar a culpa que continuava latejando mesmo depois de meu rompimento definitivo com Vítor? A dúvida acabou se revelando muito superior à certeza. Mil, um milhão de vezes mais forte. Talvez se eu tivesse sido obrigada a confessar meu crime aos pés de um juiz, se tivesse sido enjaulada entre mulheres que me odiavam, que me submetessem ao horror do estupro, que atentassem contra minha pessoa, a sensação de culpa tivesse sido atenuada. Juro que cheguei a sentir inveja do destino reservado às muçulmanas que cometem o pecado do adultério. Desejei, sim, ser publicamente difamada, arrastada pelos cabelos, enterrada até o pescoço, e, finalmente, ter a cabeça esfacelada a pedradas. Qualquer coisa, qualquer situação limite teria sido menos penosa do que seguir carregando a culpa, enquanto simulava a mais absoluta indiferença. Não tenho vocação para o disfarce, a simulação. Ah, como eu lamentei a perda de meu direito de exibir minha fraqueza como outras mulheres faziam! Mas não, eu tinha a permanente obrigação de ser forte, de estar preparada para o momento em que meu mundo viesse abaixo, como veio.
A visão de mulheres com as cabeças esfaceladas, transformadas em um bolo de carne sangrento e disforme, partículas de cérebro espatifadas pra tudo que é lado, arrepiou meu corpo dolorido. Sentindo um princípio de náusea, comecei a fungar uma emoçãozinha desconfiada. Essa bruxa tá me embromando, penso, daqui a pouco eu entro na dela, caio em prantos e, alagada de piedade, abraço a velha, aliso seus cabelos grisalhos, cubro-lhe a face enrugada com beijinhos consoladores. Calma, tia, calma! Cuidado com a pressão. Tem aí algum tranquilizante que eu possa lhe dar?
(BARROS, Adelice da Silveira. A mesa dos inocentes. Goiânia: Kelps, 2010. p. 23.)