Os trechos em itálico no texto sinalizam o que foi escrito pelo remetente da carta. Embora o
personagem administrador da Santa Inácia inicie o recado na norma-padrão, em outros momentos
usa “as chuvarada” (sem o “s” de plural), “divido o” em lugar de “devido ao”, demonstrando
O coronel recusou a sopa.
— Que é isso, Juca? Está doente?
O coronel coçou o queixo. Revirou os olhos. Quebrou um palito. Deu um estalo com a língua.
— Que é que você tem, homem de Deus?
O coronel não disse nada. Tirou uma carta do bolso de dentro. Pôs os óculos. Começou a ler:
— Exmo. Snr. Coronel Juca.
— De quem é?
— Do administrador da Santa Inácia.
— Já sei. Geada?
— Escute. Exmo. Snr. Coronel Juca. Respeitosas Saudações. Em primeiro lugar Saudo-vos.
V.Ecia. e D. Nequinha. Coronel venho por meio desta respeitosamente comunicar para V. E. que
o cafezal novo agradeceu bastante as chuvarada desta semana. E tal e tal e tal. Me acho doente
diversos incômodos divido o serviço.
— Coitado.
MACHADO, A. A. Notas biográficas do novo deputado. In: OLIVEIRA, N. Histórias de imigrantes.
São Paulo: Scipione, 2007 (adaptado).
O coronel recusou a sopa.
— Que é isso, Juca? Está doente?
O coronel coçou o queixo. Revirou os olhos. Quebrou um palito. Deu um estalo com a língua.
— Que é que você tem, homem de Deus?
O coronel não disse nada. Tirou uma carta do bolso de dentro. Pôs os óculos. Começou a ler:
— Exmo. Snr. Coronel Juca.
— De quem é?
— Do administrador da Santa Inácia.
— Já sei. Geada?
— Escute. Exmo. Snr. Coronel Juca. Respeitosas Saudações. Em primeiro lugar Saudo-vos. V.Ecia. e D. Nequinha. Coronel venho por meio desta respeitosamente comunicar para V. E. que o cafezal novo agradeceu bastante as chuvarada desta semana. E tal e tal e tal. Me acho doente diversos incômodos divido o serviço.
— Coitado.
MACHADO, A. A. Notas biográficas do novo deputado. In: OLIVEIRA, N. Histórias de imigrantes. São Paulo: Scipione, 2007 (adaptado).
Gabarito comentado
Comentário da Questão – Interpretação de Texto
Tema da Questão: Interpretação de texto, com foco em variação linguística – ou seja, a diferença entre o uso da norma-padrão e formas populares ou regionais da língua portuguesa.
Estratégia para interpretar o enunciado:
O texto apresenta um trecho em que o personagem “administrador da Santa Inácia” escreve uma carta ao coronel. No início, ele tenta usar a norma-padrão da língua (“Respeitosas Saudações. Em primeiro lugar Saudo-vos”), mas, ao longo da mensagem, utiliza formas não padrão (“as chuvarada”, “divido o serviço”). O comando da questão pede para você analisar o motivo dessas variações.
Palavras-chave e elementos de coesão:
- Norma-padrão: Forma culta da língua, usada em contextos formais.
- Variação linguística: Mudanças na forma de falar ou escrever, conforme região, escolaridade ou situação de comunicação.
- Expressões como “as chuvarada” e “divido o serviço” demonstram desvios da norma gramatical.
Alternativa correta:
D - ter dificuldades no domínio dessa variante.
O administrador inicia a carta tentando usar a norma-padrão, mas logo passa a escrever de forma mais popular, cometendo desvios gramaticais. Isso indica dificuldade em manter a linguagem formal por não dominar completamente essa variante da língua. A Gramática Normativa (ex: Cunha & Cintra) aponta que “chuvarada” não admite plural (“as chuvaradas” seria o correto, mas o termo já é coletivo), e “divido o” é um erro por confusão com “devido ao”.
Portanto, a alternativa D está correta, pois evidencia a falta de domínio da norma-padrão pelo remetente.
Justificativa das alternativas incorretas:
A - aproximar a linguagem ao entendimento do coronel.
Não se trata de uma escolha consciente para facilitar a compreensão do coronel. O próprio coronel é chamado de “Exmo. Snr.”, sugerindo respeito e formalidade, e o remetente tenta (sem sucesso) ser formal.
B - ajustar os termos ao contexto de interlocução.
A carta começa formal, tentando seguir o contexto, mas depois o remetente erra por não saber manter o padrão, e não por ajustar intencionalmente a linguagem ao contexto.
C - ser acessível à situação informal de comunicação.
O contexto da carta é formal (um administrador a um coronel), o que exige norma-padrão. O uso da linguagem popular não é proposital para ser “acessível”, mas sim resultado de limitação do remetente.
Dica para provas futuras:
Quando encontrar mudanças de registro linguístico em textos, observe se elas são intencionais (para aproximar, ironizar, satirizar) ou se revelam dificuldade do falante em manter o padrão. Marque bem palavras que fogem da norma culta – muitas vezes é ali que está a resposta!
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