No conto A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa, publicado no livro Primeiras Estórias (1962), a
narrativa se constrói por meio de um relato em primeira pessoa que se propõe a contar um evento passado,
em que o autor utilizou tanto a língua padrão culta quanto a inclusão de traços da oralidade.
ASSINALE a alternativa em que há o discurso direto e a marca da oralidade:
Texto IIINão consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto. Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão.
Texto IVO meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta.
FONTE: ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Fixação de texto e notas de Manoel M. S. Almeida; prefácio de John Gledson. São Paulo: Globo, 2008.
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação textual aplicada à identificação de discurso direto e marcas de oralidade na obra “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa.
O que é discurso direto? É a transcrição literal das falas de uma personagem, sempre marcada por sinais gráficos como aspas ou travessões, e normalmente introduzida por um verbo de elocução (como “disse”, “bradou”). Segundo Cunha & Cintra, o discurso direto permite que o leitor “ouça” de forma vívida a fala do personagem.
O que são marcas de oralidade? São elementos que reproduzem a linguagem falada: formas contraídas ou reduzidas (exemplo: “cê” no lugar de “você”), uso de regionalismos e estruturas sintáticas do uso coloquial. Como aponta Bechara, são fundamentais para dar autenticidade e proximidade ao texto literário.
Análise das alternativas:
A) Apesar de incluir “alembro” (oralidade), a frase NÃO apresenta discurso direto, pois não há fala literal de personagem marcada por pontuação específica.
B) Não há discurso direto nem marcas claras de oralidade. A construção ainda é formal e informativa.
C) O trecho tem linguagem padrão, sem discurso direto ou oralidade relevante.
D) Correta. Observe o travessão (“—”) sinalizando discurso direto: “— Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”. Nesta frase estão presentes as marcas de oralidade (“cê”, “ocê”), além da estrutura sintática própria da fala espontânea e regional (“mascou o beiço e bramou”). Como orienta a norma-padrão, essa construção representa fielmente o modo como as pessoas falam, diferenciando-se do discurso indireto, no qual o narrador apenas relata a fala do personagem.
Dica para provas: Busque sinais gráficos (travessão ou aspas) e expressões típicas do cotidiano (oralidade) para identificar discurso direto e recreação da linguagem falada. Cuidado com pegadinhas! Nem toda frase coloquial apresenta discurso direto; e, sem a fala literal (introduzida por pontuação), não é discurso direto.
Referências:
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley – Nova Gramática do Português Contemporâneo.
BECHARA, Evanildo – Moderna Gramática Portuguesa.
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