Atente para a seguinte passagem, em que
Santo Agostinho se questiona sobre a origem do
mal:
“Quem me criou? Não foi o meu Deus, que é
bom, e é também a mesma bondade? Donde me
veio, então, o querer, eu, o mal e não querer o
bem? Qual a sua origem, se Deus, que é bom, fez
todas as coisas? Sendo o supremo e sumo Bem,
criou bens menores do que Ele; mas, enfim, o
Criador e as criaturas, todos são bons. Donde, pois,
vem o mal?”
AGOSTINHO, Santo. Confissões; De
magistro. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Coleção “Os
Pensadores”. Livro VII. Adaptado.
Sobre esse aspecto da filosofia do bispo de Hipona,
considere as seguintes afirmações:
I. Como os maniqueístas, de quem sofreu forte
influência, Agostinho afirmava a existência
do Bem e do Mal e que os homens não eram
culpados de ações classificadas como más.
O mal lhes era inato, portanto, não havia
culpa, mas poderiam obter a salvação da
alma por intermédio da graça divina.
II. Para Agostinho, não se deveria atribuir a
Deus a origem do Mal, visto que, como
Sumo Bem, ele não o poderia criar. São os
homens os responsáveis pela presença do
Mal e cabe a estes fazerem uso de sua
liberdade e escolherem entre a boa e a má
ação.
III. Dispondo do livre arbítrio, o ser humano
pode optar por bens inferiores. Mas o livre
arbítrio não pode ser visto como um mal em
si, pois foi Deus quem o criou. Ter recebido
de Deus uma vontade livre é para o ser
humano um grande bem. O mal é o mau uso
desse grande bem.
É correto o que se afirma em
Gabarito comentado
Resposta correta: C — II e III apenas.
Tema central
A questão trata do problema do mal em Santo Agostinho: como conciliar um Deus bom e criador de tudo com a existência do mal? Isso exige conhecer conceitos agostinianos-chave: livre-arbítrio, mal como privação do bem (privatio boni) e rejeição do dualismo maniqueu.
Resumo teórico e progressivo
- Inicialmente Agostinho foi influenciado pelo maniqueísmo (doutrina dualista que vê o Bem e o Mal como princípios ontológicos). Mais tarde rejeitou essa visão.
- Para Agostinho o mal não é uma substância criada; é ausência ou degradação do bem — privatio boni (Confissões; De libero arbitrio).
- Deus, sendo Sumo Bem, não cria o mal. O mal surge do mau uso do livre-arbítrio dos seres racionais: ao escolher bens inferiores ou desordenados, a vontade se afasta do Bem supremo.
- O livre-arbítrio em si é um bem dado por Deus; o problema moral decorre do uso errado dessa liberdade e da condição decaída do homem (doutrina do pecado original e necessidade da graça).
Justificação da alternativa correta (C)
II está correta: Agostinho afirma que não se deve atribuir a Deus a origem do mal; Deus é supremo Bem. Os homens, dotados de liberdade, são responsáveis pelas más ações.
III está correta: o livre-arbítrio é bom (um dom divino); o mal consiste no mau uso dessa vontade — escolha por bens inferiores. Essa formulação corresponde diretamente à doutrina agostiniana.
Análise das alternativas incorretas
I está errada. Embora Agostinho tenha passado por influência maniqueísta, ele rejeita a ideia de que o mal seja uma substância inata que isenta o agente de culpa. Para Agostinho posterior, há culpa humana e necessidade da graça; o mal não é uma natureza ontológica paralela ao bem (contrapõe-se ao maniqueísmo).
Dica de interpretação para provas
Procure termos-chave: “maniqueístas”, “culpa”, “privatio boni”, “livre-arbítrio” — eles indicam a posição agostiniana. Cuidado com enunciados que misturam a biografia inicial (influência maniqueísta) com a doutrina madura de Agostinho: presença da influência não significa concordância definitiva.
Fontes recomendadas: Agostinho, Confissões (Livro VII) e De libero arbitrio; Stanford Encyclopedia of Philosophy, verbete “Augustine”.
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