Questão 3e6c928d-0b
Prova:UFMS 2018
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Funções da Linguagem: emotiva, apelativa, referencial, metalinguística, fática e poética., Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

“Quincas Borba”, considerada uma das grandes obras da fase áurea do escritor Machado de Assis, põe em cena a história de Rubião, um modesto professor de Barbacena, cidade no interior de Minas Gerais, que, ao receber uma herança inesperada do amigo Quincas Borba, resolve mudar para o Rio de Janeiro – na época, centro da vida política e econômica brasileira. Ali, encontra dificuldades para adaptar-se ao modo de ser dos que convivem com o poder, tornando-se uma vítima de aproveitadores que se fazem passar por amigos, caso, sobretudo, do casal Cristiano e Sofia Palha.
O capítulo transcrito a seguir é o último do livro. Nele se encontra uma espécie de síntese da narrativa, ao se elencarem personagens centrais da trama a partir da notícia da morte do cão Quincas Borba, cujo nome é o mesmo de seu primeiro dono, que foi herdado por Rubião.
“Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, vendo a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que dá título ao livro, e por que antes um que outro, - questão prenhe de questões, que nos levariam longe... Eia! chora os dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, rite. É a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.”
(MACHADO DE ASSIS. Quincas Borba. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012. p. 344).

Apesar de Machado de Assis construir parte significativa de sua obra ainda em fins do século XIX, é possível já verificar, em seus textos, o emprego de recursos próprios da literatura moderna. A esse propósito, sobre o trecho em questão, pode-se afirmar que:

A
a projeção de um leitor hipotético no corpo do texto confere traços de indeterminação à narrativa, atualizando uma questão central do enredo, como se este continuasse em aberto.
B
o exercício de reflexão em torno da metalinguagem, convida o leitor a refletir sobre esse ponto.
C
ao tratar, inicialmente, da morte do cão, criatura querida dos personagens, em seus últimos momentos, de um modo repleto de ternura, o narrador chama atenção para a necessidade de humanização de alguns aspectos da vida em sociedade.
D
a identificação de reações contrárias por parte do leitor (chorar/rir), decorrentes de um mesmo acontecimento, aponta para a criação de uma imagem complexa do ser humano em meio às relações sociais.
E
a parte final do capítulo visa a funcionar como uma espécie de ensinamento moral, desdobrado de toda a história que o precedeu, a ser apreendido pelo leitor, em função do valor universal que acompanha esse desfecho.

Gabarito comentado

G
Gabriel SouzaMonitor do Qconcursos

Tema central: Esta questão aborda interpretação de texto, com enfoque em funções da linguagem, especialmente a metalinguagem. A habilidade fundamental aqui é identificar como o narrador dialoga com o próprio texto ou com o leitor, recurso típico da literatura moderna.

No trecho analisado, o narrador expõe dúvidas possíveis do leitor (“é provável que me perguntes...”), comenta sobre o enredo e até sobre o título do livro, questionando a razão do título “Quincas Borba” preferir o cão ou o homem que lhe deu nome. Essa reflexão sobre o próprio texto é a essência da metalinguagem.

Justificativa da alternativa correta:
B) o exercício de reflexão em torno da metalinguagem, convida o leitor a refletir sobre esse ponto.

O trecho explicita a metalinguagem ao trazer o texto para o centro da discussão. O narrador, ao antever questionamentos do leitor e discutir o próprio título da obra, está praticando a função metalinguística, conforme definido por autores como Bechara (“A metalinguagem ocorre quando a linguagem referenda e analisa a si mesma.”).

Análise das alternativas incorretas:

A: Embora haja interlocução com o leitor, o foco não está em deixar o enredo aberto, mas sim em refletir sobre o texto.

C: Não há um tom de “ternura” destacado nem apelo à necessidade de humanização; a passagem é analítica e distanciada.

D: Apesar de mencionar as reações “chorar/rir”, o objetivo central não é criar uma imagem complexa do ser humano, mas sim analisar a obra em si.

E: O texto não oferece uma mensagem moral universal, e sim provoca a reflexão sobre o enredo e o título do livro.

Estratégia para questões similares: Sempre que o texto discutir seu próprio enredo, estrutura ou elementos (como título, personagens, leitor), desconfie da presença de metalinguagem. Identifique marcas textuais, como perguntas sobre o próprio texto ou comentários sobre sua composição.

Conclusão: A alternativa B é correta por identificar a metalinguagem, recurso moderno que convida o leitor a pensar sobre o próprio texto, corroborando a influência de Machado de Assis na transição para a literatura moderna.

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