Acerca dos recursos linguístico-semânticos utilizados nos dois primeiros parágrafos da crônica, assinale a
alternativa correta.
Leia a crônica a seguir, de Luis Fernando Veríssimo, e responda à questão:
Ser um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório. Se
ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar. Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai
tanta atenção? Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros
e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem ele sabe. É como no
paradoxo psicanalítico: só alguém que se acha muito superior procura o analista para tratar um complexo de
inferioridade, porque só ele acha que se sentir inferior é doença.
Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes. Defendo a tese de
que ninguém é mais tímido do que o extrovertido. O extrovertido faz questão de chamar atenção para sua
extroversão, assim ninguém descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar
sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre quebram na concentração.
Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada
tímido existe um exibido gritando “Não me olhem! Não me olhem!”, só para chamar a atenção.
O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e
para sua timidez espetacular. Se cochicham, é sobre ele. Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra
num lugar. Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para o tímido, não
apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para
embaraçá-lo.
O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado
do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou
tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe
passar a palavra.O tímido tenta se convencer de que só tem problemas com multidões, mas isto não é vantagem. Para o
tímido, duas pessoas são uma multidão. Quando não consegue escapar e se vê diante de uma platéia, o
tímido não pensa nos membros da platéia como indivíduos. Multiplica-os por quatro, pois cada indivíduo tem
dois olhos e dois ouvidos. Quatro vias, portanto, para receber suas gafes. Não adianta pedir para a platéia
fechar os olhos, ou tapar um olho e um ouvido para cortar o desconforto do tímido pela metade. Nada adianta.
O tímido, em suma, é uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu vexame ainda será
lembrado quando as estrelas virarem pó.
VERISSIMO, Luis Fernando. Da Timidez. In: Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 111-112.
Gabarito comentado
Tema central: A questão explora figuras de linguagem (em destaque, a hipérbole), além de exigir atenção à função sintática de pronomes e conectivos, elementos semânticos e estratégias de interpretação textual.
Alternativa correta: D
No trecho “a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico”, observa-se uma comparação exagerada que amplia deliberadamente a dimensão da timidez. Este exagero caracteriza-se como hipérbole: uma figura de linguagem na qual há intensificação proposital de uma ideia para efeito expressivo. Segundo Cunha & Cintra, "a hipérbole ocorre quando se exprime uma ideia de forma excessiva para reforçar o significado". Está presente aqui, pois o autor exagera o tamanho da timidez ao equipará-la ao de um carro alegórico, típico em desfiles, grande e chamativo.
Análise das alternativas incorretas:
A) O pronome “ele” em “Tão secreto que nem ele sabe” faz referência não a “notório”, mas ao tímido citado anteriormente. Erro de referência pronominal.
B) O advérbio “só” indica exclusividade, não inclusão. A ideia ali é que apenas ele (o tímido) pensa daquela forma, ou seja, há restrição, não soma.
C) Há usos distintos do termo “para” no segundo parágrafo: ora indica finalidade, ora modo — não possuem o mesmo papel semântico. Isto anula a alternativa.
E) O termo “assim” no trecho “assim ninguém descobre sua timidez” indica modo, e não tempo. Estratégia do discurso: atenção à função do conectivo dentro da frase!
Dicas para provas:
- Leia o fragmento em questão até o final, identificando o sentido dado pelas construções linguísticas (ex: hipérbole = exagero).
- Observe o papel dos pronomes e conectivos em cada contexto. Mudanças sutis podem distorcer completamente o sentido.
Dominar figuras de linguagem é essencial: como reforça Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), elas aumentam a expressividade do texto. Ao encontrar termos que exageram, minimizam, humanizam ou criam imagens, identifique de qual figura se trata e relacione com a intenção do autor.
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