Leia o texto abaixo:
“... A noite está tepida. O céu já está salpicado de estrelas. Eu que sou
exótica gostaria de recortar um pedaço do céu para fazer um vestido. Começo ouvir uns brados. Saio para a rua. É o Ramiro que quer dar no senhor
Binidito. Mal entendido. Caiu uma ripa no fio da luz e apagou a luz da casa
do Ramiro. Por isso o Ramiro queria bater no senhor Binidito. Porque o
Ramiro é forte e o senhor Binidito é fraco.
O Ramiro ficou zangado porque eu fui a favor do senhor Binidito. Tentei concertar os fios. Enquanto eu tentava concertar o fio o Ramiro queria
expancar o Binidito que estava alcoolisado e não podia parar de pé. Estava
inconciente. Eu não posso descrever o efeito do álcool porque não bebo. Já
bebi uma vez, em caráter experimental, mas o álcool não me tonteia.
Enquanto eu pretendia concertar a luz o Ramiro dizia:
— Liga a luz, liga a luz sinão eu te quebro a cara.
O fio não dava para ligar a luz. Precisava emendá-lo. Sou leiga na eletricidade. Mandei chamar o senhor Alfredo, que é o atual encarregado da
luz. Ele estava nervoso. Olhava o senhor Binidito com despreso. A Juana
que é esposa do Binidito deu cinquenta cruzeiros para o senhor Alfredo.
Ele pegou o dinheiro. Não sorriu. Mas ficou alegre. Percebi pela sua fisionomia. Enfim o dinheiro dissipou o nervosismo.”
(JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
São Paulo: Ática, 2014. p.32)
Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977), catadora de lixo e escritora, expôs, em Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (1960), as mazelas
e os sofrimentos enfrentados pela população da favela do Canindé,
em São Paulo. O trecho apresentado aponta um dos problemas estruturais da favela retratado pela escritora:
Gabarito comentado
Tema central: Esta questão aborda interpretação de texto, especificamente a habilidade de identificar o problema estrutural explicitado pela autônoma no ambiente descrito. Compreender o texto envolve localizar informações explícitas e, principalmente, captar a relação de causa e consequência entre os fatos narrados e a realidade social da favela.
Justificativa da alternativa correta (C – a precariedade da energia elétrica do local):
No relato, a autora descreve a sequência decorrente da queda de uma ripa no fio de luz, o apagão, a tentativa de conserto e a necessidade de chamar o encarregado pela ligação de energia, além de evidenciar desconhecimento técnico (“sou leiga na eletricidade”). Tais elementos explicitam a fragilidade da infraestrutura elétrica da favela – situação estrutural, não episódica. Como afirma Evanildo Bechara (“Gramática Normativa”, §311), compreender a coesão referencial e as relações lógicas é fundamental para interpretar corretamente o sentido global de um texto.
Análise das alternativas incorretas:
A) a falta de saneamento básico: Incorreta. Não há, no trecho, qualquer menção a rede de esgoto, coleta de lixo ou higiene sanitária.
B) o alcoolismo de Binidito: Embora Binidito esteja alcoolizado, não é esta a mazela estrutural destacada, mas sim consequência ou elemento secundário do episódio.
D) a violência entre os moradores: O conflito aparece, mas está subordinado ao problema elétrico – não constitui o foco principal levantado pelo texto.
E) a falta de água: Não se faz qualquer referência a abastecimento hídrico no excerto.
Estratégia para provas futuras: Atenção ao enunciado! O comando pede o “problema estrutural da favela retratado pela escritora”: foque em mazelas sociais de infraestrutura, não em episódios circunstanciais ou consequências. Palavras sinalizadoras como “problema estrutural” são essenciais.
Regra e conceito-chave: Para acertar questões de interpretação, busque localizar o centro temático e distinguir causa principal de efeitos secundários. Segundo Bechara e Cintra, compreender relações de causa e consequência é decisivo para a leitura consciente e crítica.
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