Segundo o texto, ao examinar mais de perto a crença do Vale do Silício, descobre-se sua
incoerência básica. Assinale a opção que identifica corretamente essa incoerência:
Leia o texto a seguir e responda à questão:
Quem são e o que querem os que negam a Internet?
Nicholas Carr
O Vale do Silício, conjunto monótono de centros comerciais, parques empresariais e complexos
de fast-food, não parece um núcleo cultural, e, no entanto, se converteu exatamente nisso. Nos
últimos 20 anos, a partir do exato momento em que a empresa de tecnologia norte-americana
Netscape comercializou o navegador inventado pelo visionário inglês Tim Berners-Lee, o Silicon
Valley tem remodelado os Estados Unidos e grande parte do mundo à sua imagem e semelhança.
Provocou uma revolução na forma de trabalhar dos meios de comunicação, mudou a forma de
conversar das pessoas e reescreveu as regras de realização, venda e valorização das obras de arte e
outros trabalhos relacionados com o intelecto.
De bom grado, a maioria das pessoas foi outorgando ao setor tecnológico um crescente poder
sobre suas mentes e suas vidas. No fim das contas, os computadores e a Internet são úteis e divertidos,
e os empresários e engenheiros se dedicaram a fundo para inventar novas maneiras de fazer com que
desfrutemos dos prazeres, benefícios e vantagens práticas da revolução tecnológica, geralmente sem
ter que pagar por esse privilégio. Um bilhão de habitantes do planeta usam o Facebook diariamente.
Cerca de dois bilhões levam consigo um smartphone a todos os lugares e costumam dar uma olhada no
dispositivo a cada poucos minutos durante o tempo em que passam acordadas. Os números reforçam
o que já sabemos: ansiamos pelas dádivas do Vale do Silício. Compramos no Amazon, viajamos com
o Uber, dançamos com o Spotify e falamos por WhatsApp e Twitter.
Mas as dúvidas sobre a chamada revolução digital têm crescido. A visão imaculada que as
pessoas tinham do famoso vale tem ganhado uma sombra inclusive nos Estados Unidos, um país
de apaixonados pelos equipamentos eletrônicos. Uma onda de artigos recentes, surgida após as
revelações de Edward Snowden sobre a vigilância na Internet por parte dos serviços secretos, tem
manchado a imagem positiva que os consumidores tinham do setor de informática. Dão a entender
que, por trás da retórica sobre o empoderamento pessoal e a democratização, se esconde uma
realidade que pode ser exploradora, manipuladora e até misantrópica.
As investigações jornalísticas encontraram provas de que nos armazéns e escritórios do
Amazon, assim como nas fábricas asiáticas de computadores, os trabalhadores enfrentam condições
abusivas. Descobriu-se que o Facebook realiza experiências clandestinas para avaliar o efeito
psicológico em seus usuários manipulando o “conteúdo emocional” das publicações e notícias
sugeridas. As análises econômicas das chamadas empresas de serviços compartilhados, como Uber
e Airbnb, indicam que, apesar de proporcionarem lucros a investidores privados, é possível que
estejam empobrecendo as comunidades em que operam. Livros como The People’s Platform [A
plataforma do povo], de Astra Taylor, publicado em 2014, mostram que com certeza a Internet está
aprofundando as desigualdades econômicas e sociais, em vez de ajudar a reduzi-las.
As incertezas políticas e econômicas ligadas aos efeitos do poder do Vale do Silício vão
além, enquanto o impacto cultural dos meios de comunicação digitais se submete a uma severa
reavaliação. Prestigiosos autores e intelectuais, entre eles o prêmio Nobel peruano Mario
Vargas Llosa e o romancista norte-americano Jonathan Franzen, apresentam a Internet como
causa e sintoma da homogeneização e da trivialização da cultura. No início deste ano, o editor
e crítico social Leon Wieseltier publicou no The New York Times uma enérgica condenação do
“tecnologicismo”, em que sustentou que os “gangsteres” empresariais e os filisteus tecnológicos
confiscaram a cultura. “À medida que aumenta a frequência da expressão, sua força diminui”,
disse, e “o debate cultural está sendo absorvido sem parar pelo debate empresarial”.
Também no plano pessoal estão se multiplicando as preocupações sobre a nossa
obsessão com os dispositivos fornecedores de dados. Em vários estudos recentes, os cientistas
começaram a relacionar algumas perdas de memória e empatia com o uso de computadores e
da Internet, e estão encontrando novas provas que corroboram descobertas anteriores de que as
distrações do mundo digital podem dificultar nossas percepções e julgamentos. Quando o trivial
nos invade, parece que perdemos o controle do que é essencial. Em Reclaiming Conversation
[Recuperando a conversa], seu controverso novo livro, Sherry Turkle, professora do Massachusetts
Institute of Technology (MIT), mostra como uma excessiva dependência das redes sociais e dos
sistemas de mensagens eletrônicas pode empobrecer as nossas conversas e até mesmo nossos
relacionamentos. Substituímos a verdadeira intimidade por uma simulada.
Quando examinamos mais de perto a crença do Vale do Silício, descobrimos sua
incoerência básica. É uma filosofia quimérica que abrange um amálgama estranho de credos,
incluindo a fé neoliberal no livre mercado, a confiança maoísta no coletivismo, a desconfiança
libertária na sociedade e a crença evangélica em um paraíso a caminho. Mas o que realmente
motiva o Vale do Silício tem muito pouco a ver com ideologia e quase tudo com a forma de
pensar de um adolescente. A veneração do setor de tecnologia pela ruptura se assemelha ao
desejo de um adolescente por destruir coisas, sem conserto, mesmo que as consequências
sejam as piores possíveis.
Portanto, não surpreende que cada vez mais pessoas contemplem com olhar crítico e
cético o legado do setor. Apesar de proliferarem, os críticos continuam, no entanto, constituindo
a minoria. A fé da sociedade na tecnologia como uma panaceia para os males sociais e individuais
permanece firme, e continua a haver uma forte resistência a qualquer questionamento ao Vale
do Silício e seus produtos. Ainda hoje se costuma descartar os opositores da revolução digital
chamando-os de nostálgicos retrógrados ou os tachando de “antitecnologia”.
Tais acusações mostram como está distorcida a visão predominante da tecnologia. Ao
confundir seu avanço com o progresso social, sacrificamos nossa capacidade de ver claramente
a tecnologia e de diferenciar os seus efeitos. No melhor dos casos, a inovação tecnológica nos
possibilita novas ferramentas para ampliar nossas aptidões, concentrar nosso pensamento e
exercitar a nossa criatividade; amplia as possibilidades humanas e o poder de ação individual.
Mas, com frequência demais, as tecnologias promulgadas pelo Vale do Silício têm o efeito oposto. As ferramentas da era digital geram uma cultura de distração e dependência, uma subordinação
irreflexiva que acaba por restringir os horizontes das pessoas, em vez de ampliá-los.
Colocar em dúvida o Vale do Silício não é se opor à tecnologia. É pedir mais aos nossos
tecnólogos, a nossas ferramentas, a nós mesmos. É situar a tecnologia no plano humano que
corresponde a ela. Olhando retrospectivamente, nos equivocamos ao ceder tanto poder sobre nossa
cultura e nossa vida cotidiana a um punhado de grandes empresas da Costa Oeste dos Estados
Unidos. Chegou o momento de corrigir o erro.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/23/tecnologia/1445612531_992107.html
Publicado em 25/10/2015. Acesso em 06/11/2017 [Adaptado]
Leia o texto a seguir e responda à questão:
Quem são e o que querem os que negam a Internet?
Nicholas Carr
O Vale do Silício, conjunto monótono de centros comerciais, parques empresariais e complexos de fast-food, não parece um núcleo cultural, e, no entanto, se converteu exatamente nisso. Nos últimos 20 anos, a partir do exato momento em que a empresa de tecnologia norte-americana Netscape comercializou o navegador inventado pelo visionário inglês Tim Berners-Lee, o Silicon Valley tem remodelado os Estados Unidos e grande parte do mundo à sua imagem e semelhança. Provocou uma revolução na forma de trabalhar dos meios de comunicação, mudou a forma de conversar das pessoas e reescreveu as regras de realização, venda e valorização das obras de arte e outros trabalhos relacionados com o intelecto.
De bom grado, a maioria das pessoas foi outorgando ao setor tecnológico um crescente poder sobre suas mentes e suas vidas. No fim das contas, os computadores e a Internet são úteis e divertidos, e os empresários e engenheiros se dedicaram a fundo para inventar novas maneiras de fazer com que desfrutemos dos prazeres, benefícios e vantagens práticas da revolução tecnológica, geralmente sem ter que pagar por esse privilégio. Um bilhão de habitantes do planeta usam o Facebook diariamente. Cerca de dois bilhões levam consigo um smartphone a todos os lugares e costumam dar uma olhada no dispositivo a cada poucos minutos durante o tempo em que passam acordadas. Os números reforçam o que já sabemos: ansiamos pelas dádivas do Vale do Silício. Compramos no Amazon, viajamos com o Uber, dançamos com o Spotify e falamos por WhatsApp e Twitter.
Mas as dúvidas sobre a chamada revolução digital têm crescido. A visão imaculada que as pessoas tinham do famoso vale tem ganhado uma sombra inclusive nos Estados Unidos, um país de apaixonados pelos equipamentos eletrônicos. Uma onda de artigos recentes, surgida após as revelações de Edward Snowden sobre a vigilância na Internet por parte dos serviços secretos, tem manchado a imagem positiva que os consumidores tinham do setor de informática. Dão a entender que, por trás da retórica sobre o empoderamento pessoal e a democratização, se esconde uma realidade que pode ser exploradora, manipuladora e até misantrópica.
As investigações jornalísticas encontraram provas de que nos armazéns e escritórios do Amazon, assim como nas fábricas asiáticas de computadores, os trabalhadores enfrentam condições abusivas. Descobriu-se que o Facebook realiza experiências clandestinas para avaliar o efeito psicológico em seus usuários manipulando o “conteúdo emocional” das publicações e notícias sugeridas. As análises econômicas das chamadas empresas de serviços compartilhados, como Uber e Airbnb, indicam que, apesar de proporcionarem lucros a investidores privados, é possível que estejam empobrecendo as comunidades em que operam. Livros como The People’s Platform [A plataforma do povo], de Astra Taylor, publicado em 2014, mostram que com certeza a Internet está aprofundando as desigualdades econômicas e sociais, em vez de ajudar a reduzi-las.
As incertezas políticas e econômicas ligadas aos efeitos do poder do Vale do Silício vão além, enquanto o impacto cultural dos meios de comunicação digitais se submete a uma severa reavaliação. Prestigiosos autores e intelectuais, entre eles o prêmio Nobel peruano Mario Vargas Llosa e o romancista norte-americano Jonathan Franzen, apresentam a Internet como causa e sintoma da homogeneização e da trivialização da cultura. No início deste ano, o editor e crítico social Leon Wieseltier publicou no The New York Times uma enérgica condenação do “tecnologicismo”, em que sustentou que os “gangsteres” empresariais e os filisteus tecnológicos confiscaram a cultura. “À medida que aumenta a frequência da expressão, sua força diminui”, disse, e “o debate cultural está sendo absorvido sem parar pelo debate empresarial”.
Também no plano pessoal estão se multiplicando as preocupações sobre a nossa obsessão com os dispositivos fornecedores de dados. Em vários estudos recentes, os cientistas começaram a relacionar algumas perdas de memória e empatia com o uso de computadores e da Internet, e estão encontrando novas provas que corroboram descobertas anteriores de que as distrações do mundo digital podem dificultar nossas percepções e julgamentos. Quando o trivial nos invade, parece que perdemos o controle do que é essencial. Em Reclaiming Conversation [Recuperando a conversa], seu controverso novo livro, Sherry Turkle, professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), mostra como uma excessiva dependência das redes sociais e dos sistemas de mensagens eletrônicas pode empobrecer as nossas conversas e até mesmo nossos relacionamentos. Substituímos a verdadeira intimidade por uma simulada.
Quando examinamos mais de perto a crença do Vale do Silício, descobrimos sua incoerência básica. É uma filosofia quimérica que abrange um amálgama estranho de credos, incluindo a fé neoliberal no livre mercado, a confiança maoísta no coletivismo, a desconfiança libertária na sociedade e a crença evangélica em um paraíso a caminho. Mas o que realmente motiva o Vale do Silício tem muito pouco a ver com ideologia e quase tudo com a forma de pensar de um adolescente. A veneração do setor de tecnologia pela ruptura se assemelha ao desejo de um adolescente por destruir coisas, sem conserto, mesmo que as consequências sejam as piores possíveis.
Portanto, não surpreende que cada vez mais pessoas contemplem com olhar crítico e cético o legado do setor. Apesar de proliferarem, os críticos continuam, no entanto, constituindo a minoria. A fé da sociedade na tecnologia como uma panaceia para os males sociais e individuais permanece firme, e continua a haver uma forte resistência a qualquer questionamento ao Vale do Silício e seus produtos. Ainda hoje se costuma descartar os opositores da revolução digital chamando-os de nostálgicos retrógrados ou os tachando de “antitecnologia”.
Tais acusações mostram como está distorcida a visão predominante da tecnologia. Ao confundir seu avanço com o progresso social, sacrificamos nossa capacidade de ver claramente a tecnologia e de diferenciar os seus efeitos. No melhor dos casos, a inovação tecnológica nos possibilita novas ferramentas para ampliar nossas aptidões, concentrar nosso pensamento e exercitar a nossa criatividade; amplia as possibilidades humanas e o poder de ação individual. Mas, com frequência demais, as tecnologias promulgadas pelo Vale do Silício têm o efeito oposto. As ferramentas da era digital geram uma cultura de distração e dependência, uma subordinação irreflexiva que acaba por restringir os horizontes das pessoas, em vez de ampliá-los.
Colocar em dúvida o Vale do Silício não é se opor à tecnologia. É pedir mais aos nossos tecnólogos, a nossas ferramentas, a nós mesmos. É situar a tecnologia no plano humano que corresponde a ela. Olhando retrospectivamente, nos equivocamos ao ceder tanto poder sobre nossa cultura e nossa vida cotidiana a um punhado de grandes empresas da Costa Oeste dos Estados Unidos. Chegou o momento de corrigir o erro.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/23/tecnologia/1445612531_992107.html Publicado em 25/10/2015. Acesso em 06/11/2017 [Adaptado]