Segundo o texto, o problema do ensino de filosofia baseado na adoção de manuais de história
da filosofia reside no fato de que:
Leia o texto a seguir e responda à questao:
Os adolescentes e a filosofia
Vladimir Safatle
Há poucos anos, o ensino de filosofia tornou-se matéria obrigatória para os alunos de
ensino médio. Uma decisão acertada que leva em conta a necessidade de estudantes adolescentes
desenvolverem habilidades críticas, além de compreenderem a complexidade da gênese de conceitos
fundamentais para nossas formas de vida.
De fato, a filosofia, tal como a conhecemos hoje, é o discurso que permite à chamada
“experiência do pensamento ocidental” criticar seus próprios valores morais, estéticos, normas
sociais e evidências cognitivas. A cláusula restritiva relativa ao “ocidente” justifica-se pelo fato de
conhecermos muito pouco a respeito dos sistemas não ocidentais de pensamento. Temos, em larga
medida, uma visão estereotipada de que eles ainda seriam fortemente vinculados ao pensamento
mítico e, por isso, não teriam algo parecido à nossa razão desencantada, que baseia seus princípios
na confrontação das argumentações a partir da procura do melhor argumento. É provável que em
alguns anos tenhamos de rever tal análise.
De toda forma, que adolescentes sejam apresentados à filosofia, eis algo que vale a pena
conservar. A adolescência transformou-se entre nós em um momento de revisão profunda do
sistema de valores e crenças, de abertura e de profunda insegurança. Em sociedades com tendências
a criticar modelos de autoridade baseados no legado da tradição e na repetição de experiências
passadas, sociedades que incitam os indivíduos a tomar em seus ombros a responsabilidade pela
construção de seus estilos de vida, inclusive como estratégia para apagar os impasses propriamente
sociais de nossos modelos de conduta e julgamento, a adolescência será necessariamente vivenciada
de forma mais angustiante. Nesse sentido, o contato com a filosofia encontra um terreno fértil de
questionamento.
A avaliação dos livros e projetos pedagógicos normalmente direcionados a nossos alunos
revela, no entanto, que deveríamos procurar outras estratégias de ensino. Nossos livros didáticos
e paradidáticos são, na sua grande maioria, manuais de exposição da história da filosofia a partir
de seus personagens principais. Os melhores se organizam a partir de temas específicos e do seu
desdobramento nos últimos dois mil anos (o que, convenhamos, não é pouco tempo). Nos dois
casos, alcança-se, no máximo, uma visão geral da história das ideias. Normalmente muito bem
ilustrada.
Melhor seria focar o ensino na leitura dirigida de textos maiores da tradição filosófica. Um
adolescente tem todas as condições de ter uma primeira leitura produtiva de textos como O banquete
ou A república, de Platão, Discurso sobre a origem da desigualdade, de Rousseau, Meditações, de Descartes, Além do bem e do mal, de Nietzsche, ou mesmo um texto como O que é o esclarecimento?,
de Kant, entre tantos outros. São obras que abrem parte de suas questões diante de uma primeira
leitura dirigida. Eles permitem ainda uma problematização sobre questões maiores como o amor, a
política, a autoidentidade, a injustiça social e as aspirações da razão.
Nesse sentido, ganharíamos mais se os cursos fossem direcionados, por um lado, ao
aprendizado sistemático da leitura e da interpretação. Nossos alunos chegam à universidade sem
uma real capacidade de compreensão e problematização de textos. Os cursos de Filosofia poderiam
colaborar em muito para mudar tal realidade.
Por outro lado, e sei que isso pode estranhar alguns, ganharíamos muito se uma parte dos
cursos de Filosofia para os adolescentes fosse dedicada ao ensino da lógica. Nossos alunos chegam às
universidades com dificuldades de escrita e raciocínio que poderiam ser minoradas se eles tivessem
cursos de lógica. Sei que esta é uma das disciplinas de que nossos alunos de filosofia menos gostam,
mas eles ganhariam muito, em todas as áreas, se tivessem uma formação mais sistemática no campo
da lógica e da teoria do conhecimento.
Neste momento em que a sociedade brasileira se dá conta da importância da luta pela qualidade
do ensino, deveríamos parar de desqualificar a capacidade de raciocínio de nossos adolescentes.
Eles merecem conhecer diretamente os textos e ideias que constituíram nossa experiência social.
Esta seria uma estratégia melhor do que lhes apresentar manuais.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/760/os-adolescentes-e-a-filosofia-9201.html
Leia o texto a seguir e responda à questao:
Os adolescentes e a filosofia
Vladimir Safatle
Há poucos anos, o ensino de filosofia tornou-se matéria obrigatória para os alunos de ensino médio. Uma decisão acertada que leva em conta a necessidade de estudantes adolescentes desenvolverem habilidades críticas, além de compreenderem a complexidade da gênese de conceitos fundamentais para nossas formas de vida.
De fato, a filosofia, tal como a conhecemos hoje, é o discurso que permite à chamada “experiência do pensamento ocidental” criticar seus próprios valores morais, estéticos, normas sociais e evidências cognitivas. A cláusula restritiva relativa ao “ocidente” justifica-se pelo fato de conhecermos muito pouco a respeito dos sistemas não ocidentais de pensamento. Temos, em larga medida, uma visão estereotipada de que eles ainda seriam fortemente vinculados ao pensamento mítico e, por isso, não teriam algo parecido à nossa razão desencantada, que baseia seus princípios na confrontação das argumentações a partir da procura do melhor argumento. É provável que em alguns anos tenhamos de rever tal análise.
De toda forma, que adolescentes sejam apresentados à filosofia, eis algo que vale a pena conservar. A adolescência transformou-se entre nós em um momento de revisão profunda do sistema de valores e crenças, de abertura e de profunda insegurança. Em sociedades com tendências a criticar modelos de autoridade baseados no legado da tradição e na repetição de experiências passadas, sociedades que incitam os indivíduos a tomar em seus ombros a responsabilidade pela construção de seus estilos de vida, inclusive como estratégia para apagar os impasses propriamente sociais de nossos modelos de conduta e julgamento, a adolescência será necessariamente vivenciada de forma mais angustiante. Nesse sentido, o contato com a filosofia encontra um terreno fértil de questionamento.
A avaliação dos livros e projetos pedagógicos normalmente direcionados a nossos alunos revela, no entanto, que deveríamos procurar outras estratégias de ensino. Nossos livros didáticos e paradidáticos são, na sua grande maioria, manuais de exposição da história da filosofia a partir de seus personagens principais. Os melhores se organizam a partir de temas específicos e do seu desdobramento nos últimos dois mil anos (o que, convenhamos, não é pouco tempo). Nos dois casos, alcança-se, no máximo, uma visão geral da história das ideias. Normalmente muito bem ilustrada.
Melhor seria focar o ensino na leitura dirigida de textos maiores da tradição filosófica. Um adolescente tem todas as condições de ter uma primeira leitura produtiva de textos como O banquete ou A república, de Platão, Discurso sobre a origem da desigualdade, de Rousseau, Meditações, de Descartes, Além do bem e do mal, de Nietzsche, ou mesmo um texto como O que é o esclarecimento?, de Kant, entre tantos outros. São obras que abrem parte de suas questões diante de uma primeira leitura dirigida. Eles permitem ainda uma problematização sobre questões maiores como o amor, a política, a autoidentidade, a injustiça social e as aspirações da razão.
Nesse sentido, ganharíamos mais se os cursos fossem direcionados, por um lado, ao aprendizado sistemático da leitura e da interpretação. Nossos alunos chegam à universidade sem uma real capacidade de compreensão e problematização de textos. Os cursos de Filosofia poderiam colaborar em muito para mudar tal realidade.
Por outro lado, e sei que isso pode estranhar alguns, ganharíamos muito se uma parte dos cursos de Filosofia para os adolescentes fosse dedicada ao ensino da lógica. Nossos alunos chegam às universidades com dificuldades de escrita e raciocínio que poderiam ser minoradas se eles tivessem cursos de lógica. Sei que esta é uma das disciplinas de que nossos alunos de filosofia menos gostam, mas eles ganhariam muito, em todas as áreas, se tivessem uma formação mais sistemática no campo da lógica e da teoria do conhecimento.
Neste momento em que a sociedade brasileira se dá conta da importância da luta pela qualidade do ensino, deveríamos parar de desqualificar a capacidade de raciocínio de nossos adolescentes. Eles merecem conhecer diretamente os textos e ideias que constituíram nossa experiência social. Esta seria uma estratégia melhor do que lhes apresentar manuais.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/760/os-adolescentes-e-a-filosofia-9201.html