Considerando os aspectos de construção linguística no Texto 1, particularmente no que se refere à
progressão temática e à sequencialização dos parágrafos, assinale a afirmativa CORRETA.
TEXTO 1
Como o Facebook nos transformou em leitores desatentos
(1) Sinto que venho me tornando um leitor menos atento. Meus olhos passam pelas palavras como
se fossem ondas que se quebram e somem. Para ganhar concentração, muitas vezes tenho de me
isolar, abrir um livro físico (com o digital fica mais difícil ter foco), respirar fundo e, então, curtir a
história. Situação preocupante, principalmente para um leitor voraz como eu. Só que se torna ainda
mais alarmante quando noto que amigos, colegas de escrita, repetem essa reclamação em tom
uniforme. O que ocorre? Será que há algum mal universal que nos faz ler cada vez pior?
(
2) Não chamaria de "mal", mas de "cenário". Trata-se do mundo das redes sociais. Se antes nos
acostumamos a livros e revistas, a mergulhar em cada informação (e era tão pouca!) que surgia à
nossa frente, agora surfamos pelos dados (e são tantos!), preocupando-nos mais com a próxima onda
do que com a que passou. Vamos de um lado para outro, freneticamente, lendo status no Twitter, no
Facebook; vendo fotos no Instagram (imagens, afinal, são uma espécie de "leitura"), matérias em
revistas, jornais e sites; acessando blogs; assistindo a séries no Netflix. Corremos os olhos do
computador para o notebook, para o Kindle, para o smartphone, para o tablet, para um livro
impresso… Para a próxima invenção que colar, seja um relógio com mais informações vindas de seu
pulso, seja um par de óculos mostrando tudo bem à frente. Não somos mais mergulhadores. Viramos
surfistas – e tenha isso como elogio e crítica ao mesmo tempo.
(3) Sim, há vantagens: agora também somos ligeiros. Viramos craques em consumir informações
com rapidez. Sabemos o que a vovó está postando no Facebook, ao mesmo tempo em que assistimos
a Breaking Bad no computador e conferimos mensagens no WhatsApp. Nossas mentes estão ágeis.
(4) Pelo bem, pelo mal, há uma mutação em curso. Somos leitores diferentes. Algo tem ocorrido
em nosso cérebro que mudou nossos processos cognitivos. Enquanto os mais velhos podem até ter
dificuldades para lidar com o universo do touch, da comunicação instantânea, uma criança de poucos
anos sabe navegar com talento pelo iPad. Porém, na hora de se concentrar em uma só história, em
analisar um só caso, podem prevalecer a falta de atenção, as falhas de memorização, a atitude de
surfar sem mergulhar em águas profundas.
(5) Uma série de trabalhos científicos tem sido publicada sobre essa transformação do hábito de
ler. Um dos estudiosos do tema é o escritor americano Nicholas Carr. Em um agora já clássico artigo
para a revista The Atlantic, ele diz: "Nos últimos anos, tenho a sensação desconfortável de que alguém
ou algo tem pregado peças com meu cérebro (…). Sinto isso ainda mais forte quando leio. Imergir em
um livro ou em um longo artigo era fácil (…). Agora, minha concentração se perde frequentemente
depois de duas ou três páginas (…). Acho que sei o que está ocorrendo. Por mais de uma década,
tenho gastado tempo demais on-line."
(6) Trata-se de uma preocupação que tem se espalhado. A neurocientista Maryanne Wolf, do
Centro de Pesquisas de Leitura e Linguagem da Universidade Tufts, de Boston, vai ainda mais fundo
na análise. Para ela, a era da internet tem moldado o cérebro, capaz de se adaptar, de repaginar a
rede de sinapses dos neurônios, de acordo com o tipo de leitura que faz. Em um de seus livros, avisa: "Livros sempre foram uma forma de se aventurar, trabalhar a imaginação e crescer intelectualmente.
Porém, na era da internet, passou-se a ler rapidamente, sem análise nem crítica." Segundo a autora,
isso faz com que os jovens de hoje desenvolvam menos conexões neurais. Ou seja, tenham cérebros
menos eficazes.
(7) Não faltam estudos sobre o tema, na maioria muito ácidos e críticos, como os realizados por
Maryanne Wolf. Mas vale uma pausa. Grande parte dos cientistas ainda acha cedo para chegar a
conclusões irrefutáveis. Estou com essa turma.
(8) Há milênios, ocorreu a mesma reação a uma inovação tão disruptora quanto é a internet para
esta época: a escrita. Sócrates, nos idos da Grécia Antiga, irritou-se com a chegada de tal tecnologia.
Para ele, a leitura faria da mente, que não mais precisaria memorizar tudo, um ente preguiçoso.
(9) Reações contrárias, por vezes contendo premonições apocalípticas, surgem sempre junto à
chegada de novidades tecnológicas — em relação à escrita, à prensa de Gutenberg, à física de
partículas, à internet ou aos aplicativos de tablets e smartphones. Mas o que nossa história, a da
humanidade, tem provado é que os avanços têm vindo para o bem. Sim, muda o quê e quem somos.
Há, porém, um balanço, usualmente positivo. No caso da leitura na era digital, aposto todas as minhas
fichas no equilíbrio. Eventualmente, aprenderemos a lidar com essa nova forma de consumir
informações. Talvez saibamos juntar com proficiência o mergulho e o surfe. Neste momento, contudo,
não vislumbramos a chegada de tal equilíbrio. Por isso, estamos confusos como um animal em
adaptação a um novo habitat. A garantia de sobrevivência: leia, sempre, o que for, o que lhe der
prazer. E não deixe seu cérebro estacionar.
Filipe Vilicic. Disponível em: http://www.intrinseca.com.br/blog/2015/08/como-o-facebook-nos-transformou-em-leitores-desatentos. Acesso
em: 03/06/2017. Adaptado.
TEXTO 1
Como o Facebook nos transformou em leitores desatentos
(1) Sinto que venho me tornando um leitor menos atento. Meus olhos passam pelas palavras como se fossem ondas que se quebram e somem. Para ganhar concentração, muitas vezes tenho de me isolar, abrir um livro físico (com o digital fica mais difícil ter foco), respirar fundo e, então, curtir a história. Situação preocupante, principalmente para um leitor voraz como eu. Só que se torna ainda mais alarmante quando noto que amigos, colegas de escrita, repetem essa reclamação em tom uniforme. O que ocorre? Será que há algum mal universal que nos faz ler cada vez pior? (
2) Não chamaria de "mal", mas de "cenário". Trata-se do mundo das redes sociais. Se antes nos acostumamos a livros e revistas, a mergulhar em cada informação (e era tão pouca!) que surgia à nossa frente, agora surfamos pelos dados (e são tantos!), preocupando-nos mais com a próxima onda do que com a que passou. Vamos de um lado para outro, freneticamente, lendo status no Twitter, no Facebook; vendo fotos no Instagram (imagens, afinal, são uma espécie de "leitura"), matérias em revistas, jornais e sites; acessando blogs; assistindo a séries no Netflix. Corremos os olhos do computador para o notebook, para o Kindle, para o smartphone, para o tablet, para um livro impresso… Para a próxima invenção que colar, seja um relógio com mais informações vindas de seu pulso, seja um par de óculos mostrando tudo bem à frente. Não somos mais mergulhadores. Viramos surfistas – e tenha isso como elogio e crítica ao mesmo tempo.
(3) Sim, há vantagens: agora também somos ligeiros. Viramos craques em consumir informações com rapidez. Sabemos o que a vovó está postando no Facebook, ao mesmo tempo em que assistimos a Breaking Bad no computador e conferimos mensagens no WhatsApp. Nossas mentes estão ágeis.
(4) Pelo bem, pelo mal, há uma mutação em curso. Somos leitores diferentes. Algo tem ocorrido em nosso cérebro que mudou nossos processos cognitivos. Enquanto os mais velhos podem até ter dificuldades para lidar com o universo do touch, da comunicação instantânea, uma criança de poucos anos sabe navegar com talento pelo iPad. Porém, na hora de se concentrar em uma só história, em analisar um só caso, podem prevalecer a falta de atenção, as falhas de memorização, a atitude de surfar sem mergulhar em águas profundas.
(5) Uma série de trabalhos científicos tem sido publicada sobre essa transformação do hábito de ler. Um dos estudiosos do tema é o escritor americano Nicholas Carr. Em um agora já clássico artigo para a revista The Atlantic, ele diz: "Nos últimos anos, tenho a sensação desconfortável de que alguém ou algo tem pregado peças com meu cérebro (…). Sinto isso ainda mais forte quando leio. Imergir em um livro ou em um longo artigo era fácil (…). Agora, minha concentração se perde frequentemente depois de duas ou três páginas (…). Acho que sei o que está ocorrendo. Por mais de uma década, tenho gastado tempo demais on-line."
(6) Trata-se de uma preocupação que tem se espalhado. A neurocientista Maryanne Wolf, do Centro de Pesquisas de Leitura e Linguagem da Universidade Tufts, de Boston, vai ainda mais fundo na análise. Para ela, a era da internet tem moldado o cérebro, capaz de se adaptar, de repaginar a rede de sinapses dos neurônios, de acordo com o tipo de leitura que faz. Em um de seus livros, avisa: "Livros sempre foram uma forma de se aventurar, trabalhar a imaginação e crescer intelectualmente. Porém, na era da internet, passou-se a ler rapidamente, sem análise nem crítica." Segundo a autora, isso faz com que os jovens de hoje desenvolvam menos conexões neurais. Ou seja, tenham cérebros menos eficazes.
(7) Não faltam estudos sobre o tema, na maioria muito ácidos e críticos, como os realizados por Maryanne Wolf. Mas vale uma pausa. Grande parte dos cientistas ainda acha cedo para chegar a conclusões irrefutáveis. Estou com essa turma.
(8) Há milênios, ocorreu a mesma reação a uma inovação tão disruptora quanto é a internet para esta época: a escrita. Sócrates, nos idos da Grécia Antiga, irritou-se com a chegada de tal tecnologia. Para ele, a leitura faria da mente, que não mais precisaria memorizar tudo, um ente preguiçoso.
(9) Reações contrárias, por vezes contendo premonições apocalípticas, surgem sempre junto à chegada de novidades tecnológicas — em relação à escrita, à prensa de Gutenberg, à física de partículas, à internet ou aos aplicativos de tablets e smartphones. Mas o que nossa história, a da humanidade, tem provado é que os avanços têm vindo para o bem. Sim, muda o quê e quem somos. Há, porém, um balanço, usualmente positivo. No caso da leitura na era digital, aposto todas as minhas fichas no equilíbrio. Eventualmente, aprenderemos a lidar com essa nova forma de consumir informações. Talvez saibamos juntar com proficiência o mergulho e o surfe. Neste momento, contudo, não vislumbramos a chegada de tal equilíbrio. Por isso, estamos confusos como um animal em adaptação a um novo habitat. A garantia de sobrevivência: leia, sempre, o que for, o que lhe der prazer. E não deixe seu cérebro estacionar.
Gabarito comentado
Tema central da questão: PROGRESSÃO TEMÁTICA, COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL
A questão exige interpretar como o texto desenvolve suas ideias, ou seja, como um parágrafo conduz ao próximo (progressão temática), e de que modo elementos linguísticos garantem a conexão e o sentido global do texto (coesão e coerência).
Alternativa correta: C
No início do 5º parágrafo, o segmento "essa transformação do hábito de ler" faz referência direta ao que foi desenvolvido no 4º parágrafo, que apresenta as mudanças nos processos de leitura diante das tecnologias digitais. Trata-se de um exemplo didático de progressão temática e coesão referencial, pois retoma e condensa o assunto previamente abordado para prosseguir no desenvolvimento do texto. Conforme Koch & Elias, isso demonstra domínio sobre o encadeamento lógico de ideias, crucial para leitura e produção textual.
Análise das alternativas incorretas:
A) Incorreta, pois a articulação se dá: a resposta "não chamaria de 'mal', mas de 'cenário'" redefine e não nega a problemática do 1º parágrafo, mantendo o fio condutor textual.
B) Equivocada, pois "crítica" e "vantagens" não possuem conexão semântica direta – o 3º parágrafo inicia uma perspectiva diferente, sem aponte textual imediato ao termo anterior.
D) Embora ambos autores discutam mudanças cognitivas, a fala de Maryanne Wolf (6º) não é continuação direta do discurso de Nicholas Carr (5º), mas sim uma ampliação do tema sob outro ponto de vista.
E) "A mesma reação" (8º) não compara as transformações em si, mas as reações negativas a inovações tecnológicas, sendo a referência às críticas e desconfianças e não à transformação.
Estratégia para provas: Em questões desse tipo, busque os pronome referencial e termos que retomam temas já trabalhados: normalmente, eles são o elo da progressão temática/coerência, como ensina Evanildo Bechara.
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