Se o discurso literário “aclara o real ao desligar‐se dele,
transfigurando‐o”, pode‐se dizer que Luís da Silva, o narrador‐protagonista de Angústia, já não se comove com a leitura de
“histórias fáceis, sem almas complicadas” porque
Os textos literários são obras de discurso, a que falta a imediata
referencialidade da linguagem corrente; poéticos, abolem,
“destroem” o mundo circundante, cotidiano, graças à função
irrealizante da imaginação que os constrói. E prendem‐nos na
teia de sua linguagem, a que devemo poder de apelo estético que
nos enleia; seduz‐nos o mundo outro, irreal, neles configurado
(...). No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando
retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e renovada pela
experiência da obra, à luz do que nos revelou, possibilita
redescobri‐lo, sentindo‐o e pensando‐o de maneira diferente e
nova. A ilusão, a mentira, o fingimento da ficção, aclara o real ao
desligar‐se dele, transfigurando‐o; e aclara‐o já pelo insight que
em nós provocou.
Benedito Nunes, “Ética e leitura”, de Crivo de Papel.
O que eu precisava era ler um romance fantástico, um
romance besta, em que os homens e as mulheres fossem
criações absurdas, não andassem magoando‐se, traindo‐se.
Histórias fáceis, sem almas complicadas. Infelizmente essas
leituras já não me comovem.
Graciliano Ramos, Angústia.
Romance desagradável, abafado, ambiente sujo, povoado de
ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma concessão ao
gosto do público. Solilóquio doido, enervante.
Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a respeito de seu livro
Angústia.
Os textos literários são obras de discurso, a que falta a imediata referencialidade da linguagem corrente; poéticos, abolem, “destroem” o mundo circundante, cotidiano, graças à função irrealizante da imaginação que os constrói. E prendem‐nos na teia de sua linguagem, a que devemo poder de apelo estético que nos enleia; seduz‐nos o mundo outro, irreal, neles configurado (...). No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e renovada pela experiência da obra, à luz do que nos revelou, possibilita redescobri‐lo, sentindo‐o e pensando‐o de maneira diferente e nova. A ilusão, a mentira, o fingimento da ficção, aclara o real ao desligar‐se dele, transfigurando‐o; e aclara‐o já pelo insight que em nós provocou.
Benedito Nunes, “Ética e leitura”, de Crivo de Papel.
O que eu precisava era ler um romance fantástico, um romance besta, em que os homens e as mulheres fossem criações absurdas, não andassem magoando‐se, traindo‐se. Histórias fáceis, sem almas complicadas. Infelizmente essas leituras já não me comovem.
Graciliano Ramos, Angústia.
Romance desagradável, abafado, ambiente sujo, povoado de ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma concessão ao gosto do público. Solilóquio doido, enervante.
Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a respeito de seu livro Angústia.
Gabarito comentado
Tema central: A questão explora interpretação de texto com ênfase em coerência textual e análise semântica. O candidato deve identificar, a partir do texto e do contexto literário, o motivo pelo qual o narrador de Angústia já não se comove com "histórias fáceis". Esse tipo de questão exige leitura atenta, capacidade de inferir informações implícitas e domínio da compreensão global do texto.
Justificativa para a alternativa correta (E):
No trecho apresentado, o narrador declara que deseja algo "fantástico", onde não haja "almas complicadas", mas reconhece que "infelizmente essas leituras já não me comovem". Esse posicionamento revela um desalento tão profundo que impossibilita qualquer envolvimento com histórias simplistas. Trata-se de um afundamento na própria negatividade e insatisfação, típico da persona atormentada e fracassada que Graciliano Ramos constrói em Angústia.
Segundo Cunha & Cintra, interpretar exige captar não só o dito, mas o subentendido, os sentimentos e as intenções do narrador. A alternativa E é a já que traduz o estado psicológico e emocional do personagem, em consonância com o uso da palavra "angústia" e do ambiente retratado na obra, ambos marcados pelo pessimismo.
Análise das alternativas incorretas:
A) Incorreta: Nada no texto associa o desinteresse de Luís à sua profissão de jornalista; o motivo é interno, não profissional.
B) Incorreta: O texto não diz que ele prefira alienação ou narrativas épicas (nada épico o comove).
C) Incorreta: O narrador não é apenas indiferente ao sentimentalismo: ele está preso à melancolia, tornando-se incapaz de qualquer comoção.
D) Incorreta: Não há menção a militância política; é, novamente, uma justificativa sem respaldo no texto.
Ponto-chave da interpretação:
Observe que a resposta depende de perceber o tom psicológico profundo e negativo que permeia o narrador – um traço característico dos romances de Graciliano Ramos, como indicam as notas críticas do próprio autor.
Dica de prova: Sempre relacione as alternativas ao contexto e emoções do texto; desconfie de justificativas muito literais ou fora do tom do excerto apresentado.
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