No contexto em que está inserida, a expressão “ateu em religião, política e poesia” (3° parágrafo) poderia ser atribuída
a alguém que
Leia o início do conto “Luís Soares”, de Machado de Assis,
para responder à questão.
Trocar o dia pela noite, dizia Luís Soares, é restaurar o
império da natureza corrigindo a obra da sociedade. O calor
do sol está dizendo aos homens que vão descansar e dormir,
ao passo que a frescura relativa da noite é a verdadeira estação em que se deve viver. Livre em todas as minhas ações,
não quero sujeitar-me à lei absurda que a sociedade me impõe: velarei de noite, dormirei de dia.
Contrariamente a vários ministérios, Soares cumpria este
programa com um escrúpulo digno de uma grande consciência. A aurora para ele era o crepúsculo, o crepúsculo
era a aurora. Dormia 12 horas consecutivas durante o dia,
quer dizer das seis da manhã às seis da tarde. Almoçava
às sete e jantava às duas da madrugada. Não ceava. A sua
ceia limitava-se a uma xícara de chocolate que o criado lhe
dava às cinco horas da manhã quando ele entrava para casa.
Soares engolia o chocolate, fumava dois charutos, fazia alguns trocadilhos com o criado, lia uma página de algum romance, e deitava-se.
Não lia jornais. Achava que um jornal era a cousa mais
inútil deste mundo, depois da Câmara dos Deputados, das
obras dos poetas e das missas. Não quer isto dizer que
Soares fosse ateu em religião, política e poesia. Não. Soares
era apenas indiferente. Olhava para todas as grandes cousas
com a mesma cara com que via uma mulher feia. Podia vir a
ser um grande perverso; até então era apenas uma grande
inutilidade.
(Contos fluminenses, 2006.)
Trocar o dia pela noite, dizia Luís Soares, é restaurar o império da natureza corrigindo a obra da sociedade. O calor do sol está dizendo aos homens que vão descansar e dormir, ao passo que a frescura relativa da noite é a verdadeira estação em que se deve viver. Livre em todas as minhas ações, não quero sujeitar-me à lei absurda que a sociedade me impõe: velarei de noite, dormirei de dia.
Contrariamente a vários ministérios, Soares cumpria este programa com um escrúpulo digno de uma grande consciência. A aurora para ele era o crepúsculo, o crepúsculo era a aurora. Dormia 12 horas consecutivas durante o dia, quer dizer das seis da manhã às seis da tarde. Almoçava às sete e jantava às duas da madrugada. Não ceava. A sua ceia limitava-se a uma xícara de chocolate que o criado lhe dava às cinco horas da manhã quando ele entrava para casa. Soares engolia o chocolate, fumava dois charutos, fazia alguns trocadilhos com o criado, lia uma página de algum romance, e deitava-se.
Não lia jornais. Achava que um jornal era a cousa mais inútil deste mundo, depois da Câmara dos Deputados, das obras dos poetas e das missas. Não quer isto dizer que Soares fosse ateu em religião, política e poesia. Não. Soares era apenas indiferente. Olhava para todas as grandes cousas com a mesma cara com que via uma mulher feia. Podia vir a ser um grande perverso; até então era apenas uma grande inutilidade.
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de texto por meio da compreensão de expressão metafórica e análise semântica contextual.
O enunciado explora a habilidade de entender expressões figuradas — especificamente, a expressão “ateu em religião, política e poesia” — e extrair do texto o seu verdadeiro sentido. Segundo conceitos clássicos da semântica, como pontuam Cunha & Cintra e Bechara, a polissemia de uma palavra só se revela plenamente a partir do contexto. Assim, “ateu” deixa de ser apenas quem nega a existência de Deus, para ganhar, na frase, ampliação semântica, tornando-se simbólico de quem se opõe frontalmente ou nega princípios de qualquer área.
Justificativa da alternativa correta – (E):
A alternativa E (“fosse contrário aos princípios da política e da poesia, tanto quanto aos da religião”) alcança plenamente o sentido apresentado na expressão metafórica do texto. Pelo contexto, ao dizer que Soares não era “ateu” nessas áreas, mas sim indiferente, o autor ressalta que “ateu”, nesse uso, significa oposição ou rejeição ativa, e não ignorância ou neutralidade. Essa estratégia literária é típica de Machado, que adota ironias e jogos de sentido — conforme apontado por Bechara (2009) ao tratar de figuras de linguagem.
Análise das alternativas incorretas:
- A: Relaciona a “ateu” comportamentos fanáticos e beligerantes, o que não corresponde ao sentido do texto. Não há associação direta entre descrença e fanatismo.
- B: Indica posição indefinida, quando a expressão metáforica sugere exatamente o oposto: uma postura de negação (posição definida!), como ressalta a semântica normativa.
- C: Fala de desconhecimento, o que difere de oposição. O termo “ateu”, na frase, não trata de ignorância, mas de descrença deliberada.
- D: Menciona moderação, quando o sentido metafórico aponta para rejeição absoluta, não há gradação ou moderação na postura de ser “ateu” (segundo o texto).
Ao interpretar esse tipo de questão, busque sempre isolar o significado da expressão figurada no texto e observar como o próprio autor esclarece ou contrapõe tal sentido, evitando armadilhas semânticas e respostas que apenas tangenciam o tema.
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