Assinale a alternativa correta quanto ao que esclarece o texto 2:
Texto 2: Repórter Policial
[...] Assim como o locutor esportivo jamais chamou nada pelo nome comum, assim também o repórter
policial é um entortado literário. Nessa classe, os que se prezam nunca chamariam um hospital de hospital. De jeito
nenhum. É nosocômio. Nunca, em tempo algum, qualquer vítima de atropelamento, tentativa de morte, conflito,
briga ou simples indisposição intestinal foi parar num hospital. Só vai para o nosocômio.E assim sucessivamente.
Qualquer cidadão que vai à Polícia prestar declarações que possam ajudá-la numa diligência (apelido que
eles puseram no ato de investigar), é logo apelidada de testemunha chave. Suspeito é Mister X, advogado é
causídico, soldado é militar, marinheiro é naval, copeira é doméstica e, conforme esteja deitada, a vítima de um
crime – de costas ou de barriga pra baixo – fica numa destas duas incômodas posições: decúbito dorsal ou decúbito
ventral.
Num crime descrito pela imprensa sangrenta, a vítima nunca se vestiu. A vítima trajava. Todo mundo se
veste… mas, basta virar vítima de crime, que a rapaziada sadia ignora o verbo comum e mete lá: “A vítima traja terno
azul e gravata do mesmo tom”. Eis, portanto, que é preciso estar acostumado ao “métier” para morar no noticiário
policial. Como os locutores esportivos, a Delegacia do Imposto de Renda, os guardas de trânsito, as mulheres dos
outros, os repórteres policiais nasceram para complicar a vida da gente. Se um porco morde a perna de um caixeiro
de uma dessas casas da banha, por exemplo, é batata…a manchete no dia seguinte tá lá: “Suíno atacou
comerciário”.
Outro detalhezinho interessante: se a vítima de uma agressão morre, tá legal, mas se — ao contrário — em
vez de morrer fica estendida no asfalto, está prostrada. Podia estar caída, derrubada ou mesmo derribada, mas um
repórter de crime não vai trair a classe assim à toa. E castiga na página: "Naval prostrou desafeto com certeira
facada." Desafeto — para os que são novos na turma — devemos explicar que é inimigo, adversário, etc. E mais: se
morre na hora, tá certo; do contrário, morrerá invariavelmente ao dar entrada na sala de operações.
De como vive a imprensa sangrenta, é fácil explicar. Vive da desgraça alheia, em fotos ampliadas. Um
repórter de polícia, quando está sem notícia, fica na redação, telefonando pras delegacias distritais ou para os
hospitais, perdão, para os nosocômios, onde sempre tem um cupincha de plantão. [...]
Fonte: STANISLAW, Ponte Preta. São Paulo: Moderna, 1986.
Gabarito comentado
Gabarito: B
Tema central da questão: Interpretação de Texto, com ênfase na análise do estilo linguístico e das escolhas semânticas do autor ao descrever peculiaridades da linguagem dos repórteres policiais.
O texto explora, de forma humorística e crítica, o modo como certos profissionais, como repórteres policiais e locutores esportivos, adotam uma linguagem própria, repleta de termos específicos, rebuscados ou técnicos, afastando-se do uso comum da língua. Isso é sintetizado na expressão destacada pelo autor: “entortado literário”, que significa “aquele que distorce ou complica a linguagem habitual”.
Justificativa da alternativa correta (B):
A alternativa B destaca justamente que o repórter policial, assim como o esportivo, são “entortados literários” porque suas linguagens são específicas. Conforme ensina Cunha & Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), o uso de “gírias de profissão” ou marcações estilísticas diferencia uma linguagem técnica do registro coloquial. O texto confirma isso ao mostrar como, por exemplo, hospital vira nosocômio e veste vira traja.
Análise das alternativas incorretas:
- A: O texto associa “testemunha-chave” a quem presta declarações, não ao suspeito. Interpretar erroneamente o papel da testemunha é desprezar o contexto – cuidado com generalizações apressadas!
- C: O repórter não corrige gírias; ao contrário, ele complica (ou rebusca) o discurso, tornando-o pouco convencional. A crítica do texto aponta para um afastamento da linguagem popular, não para purificação linguística.
- D: Apesar de o repórter buscar informações em delegacias, o texto não diz que isso ocorre sempre da redação – a frase limita um contexto que é mais amplo, caindo numa restrição indevida.
- E: O texto ironiza o uso do verbo “trajar”, e não descreve casos de nudez; trata-se de erro por extrapolação do sentido, uma pegadinha semântica.
Estratégia para provas: Ao lidar com textos críticos ou satíricos, é fundamental atentar ao tom do autor e a expressões irônicas. Palavras-chave (“entortado literário”, “nunca chamariam hospital de hospital”, “métier”) ajudam a revelar a intenção e temperam a interpretação correta.
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