Segundo o texto, o uso de drogas na boate
Leia o texto de Tales Ab´Sáber para responder à questão.
Há em Berlim uma casa que nunca fecha. Aquela noite que não termina jamais pode de fato começar a qualquer
momento do dia, às sete da manhã ou ainda às dez. Lá todos os tempos se estendem e noite e dia se transformam em
outra coisa. Naquela imensa boate que pretende expandir o
seu plano de existência, seu tempo infinito, sobre a vida e a
cidade, construída em uma antiga fábrica − uma antiga usina
de energia nazista −, todo tipo de figura da noite se encontra,
em uma festa fantástica alucinada que deseja não terminar
jamais. À luz da vida tecno¹
avançada, as ideias tradicionais de
dia e de noite se revelam mais frágeis, bem mais insólitas do
que a vida cotidiana sob o regime da produção nos leva a
crer. Para alguns, o mundo do dia se tornará definitivamente
vazio e apenas a noite excitada e veloz vai concentrar em si
o valor do que é vivo.
Naquela boate, como em muitas outras, tudo se encerra
apenas quando o efeito prolongado e sistemático da droga
se encerra. Como uma pausa para respirar, às vezes tendo
passado muitos dias entre uma jornada de diversão e sua
suspensão momentânea. Para muitos, apenas pelo tempo
mínimo da reposição das forças até a próxima jornada, extenuante, sem fim, pela política imaginária da noite.
E, ainda mais. Para outros tantos, o próprio efeito da droga sob a pulsação infinita da música eletrônica, experiência
programática e enfeitiçada, não deveria se encerrar jamais:
estes estariam destinados ao projeto de dissolução na pulsação sem eu da música tecno, seja a dissolução do espírito,
em uma infantilização sem fim para os embates materiais da
vida, seja a dissolução do corpo, ambos igualmente reais.
De fato, após uma noite de vida tecno, é forte a experiência radical de vazio que se torna o espírito do dia. A energia
foi imensamente gasta à noite. Foi devastada, tornando o dia
vazio de objeto, porém vivo. Vivo no vazio, muito bem articulado à busca pelo excedente absoluto de mais tarde, à noite.
(A música do tempo infinito, 2012. Adaptado.)
¹tecno: estilo de música eletrônica.
Gabarito comentado
Tema central: A questão envolve interpretação de texto, exigindo que o candidato compreenda as relações de causa, consequência e significado no contexto descritivo do uso de drogas na experiência noturna da boate em Berlim.
Justificativa da alternativa correta (B):
O texto apresenta que, para muitos frequentadores, “tudo se encerra apenas quando o efeito prolongado e sistemático da droga se encerra”. Isso indica, explicitamente, que o fim do efeito da droga sinaliza o encerramento da vivência na boate. Assim, o uso de drogas funciona como uma medida do tempo: a experiência do local dura até o término do efeito químico. Trata-se de uma relação de causa e consequência diretamente explicitada pelo autor do texto.
Estratégia de interpretação: Atenção a expressões do texto que relacionam ações a condições ou limites temporais, como “apenas quando”. Esse tipo de estrutura é determinante para identificar elementos organizadores do tempo no relato.
Análise das alternativas incorretas:
A) Errada. Afirma que o uso de drogas é secundário, mas o texto destaca-o como determinante da experiência temporal, não apenas como complemento à música.
C) Errada. Faz um juízo moral e associa de maneira forçada o uso de drogas ao nazismo, o que não é discutido pelo autor; ele apenas cita a origem do prédio, sem juízo de valor.
D) Incorreta. Não há menção à necessidade de regular ou controlar o uso para preservar noções de subjetividade ou tempo – o narrador apenas descreve a dinâmica, não propõe medidas.
E) Errada. Generaliza, afirmando que o texto aborda uma demanda da sociedade como um todo; entretanto, o foco está restrito à experiência específica da boate.
Orientação de autores consagrados: De acordo com Koch e Travaglia, a boa interpretação depende da identificação de palavras-chave e de relações lógicas explícitas no texto, evitando impressões subjetivas ou generalizações.
Dica para provas futuras: Ao interpretar, priorize o que está dito ou claramente sugerido no texto. Desconfie de alternativas que extrapolem o contexto ou insiram opiniões não sinalizadas pelo autor. Palavras como “apenas”, “só”, “quando”, “enquanto” muitas vezes delimitam o sentido preciso da resposta.
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