Observe a seguinte passagem do diálogo
entre Sócrates e Glauco em A República:
“Sócrates — Não afirmamos ser impossível à
parte racional da alma ter opiniões contrárias,
ao mesmo tempo, sobre as mesmas coisas?
Glauco — Afirmamos, e com razão.
Sócrates — Portanto, a parte da alma que
formula uma opinião à margem da medida não
poderá ser a mesma que opina com medida.
Glauco — Com efeito, não.
Sócrates — Mas por certo que a parte que confia
na medida e no cálculo é a melhor parte da
alma.
Glauco — Sem dúvida.”
Platão. A República, 602d-603a. Trad. port. Maria
Helena da Rocha Pereira. – 9ª edição.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. Adaptado.
No contexto do diálogo acima, o trecho “ser
impossível à parte racional da alma ter opiniões
contrárias, ao mesmo tempo, sobre as mesmas
coisas” expressa
Gabarito comentado
Resposta correta: C — o princípio lógico da identidade
Tema central: a questão explora a ideia de coerência racional — que a parte racional da alma não pode sustentar, ao mesmo tempo e sobre o mesmo objeto, duas opiniões contraditórias. Isso remete a um princípio lógico fundamental (consistência/identidade) presente na tradição grega e na filosofia em geral.
Resumo teórico progressivo: Em termos lógicos, a afirmação impede que uma mesma entidade seja atribuída e não-atribuída simultaneamente (A e não‑A). Na tradição filosófica antiga esse princípio aparece como base do raciocínio correto (ver Platão, Rep. 602d–603a; cf. também discussões sobre a não‑contradição em Aristóteles). Em linguagem corrente: uma mente racional não pode acreditar simultaneamente em duas proposições incompatíveis sobre o mesmo assunto.
Justificativa da alternativa C: O trecho afirma impossibilidade de opiniões contrárias “ao mesmo tempo, sobre as mesmas coisas” — formulação típica do princípio lógico que exige identidade e não‑contradição no juízo. Embora a alternativa use o termo “identidade”, o foco é a coerência lógica entre juízos; por isso a opção C é a que melhor capta a intenção do diálogo.
Análise das opções incorretas:
A — tese psicológica da alma unitária
Errada: Platão, neste diálogo, admite partes distintas na alma (racional, apetitiva, irascível). O trecho mostra divisão interna, não defende unidade psicológica.
B — exigência ética de não mentir
Errada: O texto fala de coerência intelectual/epistêmica, não de norma moral sobre dizer a verdade. Mentir refere‑se ao falar; aqui trata‑se de manter juízos consistentes.
D — impossibilidade do discurso falso
Errada: Não se afirma que falsidade é impossível. O que se nega é a compatibilidade interna de opiniões contrárias na mesma parte racional — distinto de afirmar que não se pode proferir enunciados falsos.
Dica de interpretação (estratégia para provas): Procure marcas linguísticas como “ao mesmo tempo” e “sobre as mesmas coisas”: elas sinalizam que a questão é de lógica/consistência. Relacione termos do enunciado com princípios lógicos clássicos antes de ceder a leituras morais ou psicológicas.
Fontes: Platão, A República (602d–603a); para contexto lógico, ver contribuições sobre o princípio de não‑contradição em introduções à lógica e na Stanford Encyclopedia of Philosophy.
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