Assinale a alternativa correta quanto à posição do narrador.
Leia o fragmento, a seguir, retirado do livro Clara dos Anjos, de Lima Barreto, e responda à questão.
Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em pleno Campo de Sant’Ana, no meio da multidão que
jorrava das portas da Catedral, cheia da honesta pressa de quem vai trabalhar. A sua sensação era que
estava numa cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios e os seus amores; no subúrbio, tinha os seus
companheiros, e a sua fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte, era apontado; no subúrbio,
enfim, ele tinha personalidade, era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do Campo de Sant’Ana
para baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua fama e o
seu valimento; a sua fanfarronice evaporava-se, e representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles
“caras” todos, que nem o olhavam. [...]
Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua inferioridade de inteligência, de educação; a sua rusticidade,
diante daqueles rapazes a conversar sobre cousas de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face da
sofreguidão com que liam os placards dos jornais, tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava,
Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas
senhoras e moças que lhe pareciam rainhas e princesas, tal e qual o bárbaro que viu, no Senado de Roma,
só reis, sentia-se humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, de atitudes apuradas, de hábitos de
polidez e urbanidade, de franqueza no gastar, reduziam-lhe a personalidade de medíocre suburbano, de vagabundo doméstico, a quase cousa alguma.
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. Rio de Janeiro: Garnier, 1990. p. 130-131.
Leia o fragmento, a seguir, retirado do livro Clara dos Anjos, de Lima Barreto, e responda à questão.
Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em pleno Campo de Sant’Ana, no meio da multidão que jorrava das portas da Catedral, cheia da honesta pressa de quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava numa cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios e os seus amores; no subúrbio, tinha os seus companheiros, e a sua fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte, era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha personalidade, era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do Campo de Sant’Ana para baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua fama e o seu valimento; a sua fanfarronice evaporava-se, e representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles “caras” todos, que nem o olhavam. [...]
Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua inferioridade de inteligência, de educação; a sua rusticidade, diante daqueles rapazes a conversar sobre cousas de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face da sofreguidão com que liam os placards dos jornais, tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava, Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas senhoras e moças que lhe pareciam rainhas e princesas, tal e qual o bárbaro que viu, no Senado de Roma, só reis, sentia-se humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, de atitudes apuradas, de hábitos de polidez e urbanidade, de franqueza no gastar, reduziam-lhe a personalidade de medíocre suburbano, de vagabundo doméstico, a quase cousa alguma.
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. Rio de Janeiro: Garnier, 1990. p. 130-131.
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de texto, focando na análise da posição do narrador e no conceito literário de focalização na narrativa.
O texto aborda os sentimentos de Cassi Jones ao sair do subúrbio — onde gozava de reconhecimento — e mergulhar na parte central da cidade, onde se sente pequeno e deslocado. O narrador, aqui, é heterodiegético (não personagem) e utiliza focalização onisciente, apresentando o mundo por meio das sensações e dos pensamentos do protagonista, mas sem emitir julgamentos ou emoções próprias.
Justificativa da alternativa correta (E):
A alternativa E é a certa porque o narrador apenas registra o momento em que Cassi Jones se percebe deslocado na cidade, contrastando com o reconhecimento que possuía no subúrbio. Não há discurso emocional direto, compadecimento ou antecipação de redenção. O texto descreve, de modo objetivo, o choque do personagem diante do novo ambiente, focando na sensação de perda de prestígio.
Dica de estratégia: Em interpretações desse tipo, busque palavras-chave que indiquem juízos de valor do narrador (compaixão, crítica, solidariedade); se elas não aparecerem, provavelmente a descrição é objetiva.
Análise das alternativas incorretas:
A: Fala em “compaixão” e aponta Cassi Jones como “vítima indefesa”, o que não se encontra no texto. Não há sinais de que o narrador se compadeça ou compare a situação dele à de Clara dos Anjos nesse momento.
B: Supõe conflitos íntimos, remorsos e uma equivalência de sentimento com Clara, não sustentados no contexto apresentado. O foco está no sentimento de deslocamento, não em culpa ou arrependimento.
C: Alude a uma redenção e a um processo de busca por perdão, antevendo desdobramentos que o texto não sugere. O fragmento não indica atitude de mudança ou arrependimento, mas apenas desconforto e autopercepção.
D: Aponta solidariedade e afinidades morais/artísticas entre narrador e personagem — elementos ausentes no trech; o narrador não compartilha sentimentos ou faz juízo de valor, mantendo-se externo.
Resumo Normativo: Como ensinam Genette e Rocha Lima, a função do narrador pode variar, mas seu teor deve ser extraído do que realmente está expresso. Manuais e gramáticas ressaltam que interpretações não podem ser baseadas em suposições não ancoradas no texto.
Em síntese: O aluno deve identificar a focalização objetiva e neutra do narrador sobre os sentimentos de Cassi Jones, evitando inferências não fundamentadas. Estratégia essencial: distinguir descrições internas do personagem de julgamentos ou emoções do narrador.
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