Questão de952bd3-f1
Prova:Fadba 2014
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

O autor elabora sua tese, baseado, principalmente:

TEXTO PARA A QUESTÃO


Gravidez indesejada e violência urbana
DRAUZIO VARELLA


A irresponsabilidade brasileira diante das mulheres pobres que engravidam por acidente é caso de polícia literalmente.
O planejamento familiar no Brasil é inacessível aos que mais necessitam dele. Os casais da classe média e os mais ricos, que podem criar os filhos por conta própria, têm acesso garantido a preservativos de qualidade, pílula, injeções e adesivos anticoncepcionais, DIU, laqueadura, vasectomia e, em caso de falha, ao abortamento; porque, deixando a falsidade de lado, estamos cansados de saber que aborto no Brasil só é proibido para a mulher que não tem dinheiro.

Há pouco tempo, afirmei numa entrevista para o jornal "O Globo" que a falta de planejamento familiar era uma das causas mais importantes da explosão de violência urbana ocorrida nos últimos 20 anos em nosso país. A afirmação era baseada em minha experiência na Casa de Detenção de São Paulo: é difícil achar na cadeia um preso criado por pai e mãe. A maioria é fruto de lares desfeitos ou que nunca chegaram a existir. O número daqueles que têm muitos irmãos, dos que não conheceram o pai e dos que foram concebidos por mães solteiras, ainda adolescentes, é impressionante.

Procurados pelos jornalistas, um cardeal e uma autoridade do primeiro escalão federal responderam incisivamente que não concordavam com essa afirmação. O religioso, porque considerava "muito triste ser filho único", e que "o ideal seria cada família brasileira ter cinco filhos". O outro discordava baseado nos dados que mostravam queda progressiva dos índices de natalidade nos últimos 20 anos, enquanto a violência em nossas cidades explodia.
Cito essa discussão, porque encerra o nó de nossa paralisia diante do crescimento populacional insensato que fez o número de brasileiros saltar dos célebres 90 milhões em ação do ano de 1970 para os 180 milhões atuais: de um lado, a cúpula da Igreja Católica, que não aceita sequer o uso da camisinha em plena epidemia de uma doença sexualmente transmissível como a Aids. De outro, os responsáveis pelas políticas públicas, que, para fugir da discussão sobre as taxas inaceitáveis de natalidade da população mais pobre, usam a queda progressiva dos valores médios dos índices ocorrida nas últimas décadas. Dizem: cada brasileira tinha seis filhos em 1950; hoje esse número não chega a três.
É provável que o argumento ajude a aplacar-lhes a consciência pública, especialmente quando se esquecem de dizer que, enquanto as mulheres de nível universitário hoje têm em média 1,4 filho, as analfabetas têm 4,4.
(...)
Nem haveria necessidade de números tão contundentes para tomarmos consciência da associação de pobreza com falta de planejamento familiar e violência urbana: o número de crianças pequenas nas ruas dos bairros mais violentos fala por si. O de meninas em idade de brincar com boneca aguardando atendimento nas filas das maternidades públicas também.
Basta passarmos na frente de qualquer cadeia brasileira em dia de visita para nos darmos conta do número de adolescentes com bebês de colo na fila de entrada.
Todos nós sabemos quanto custa criar um filho. Cada criança concebida involuntariamente por casais que não têm condições financeiras para criá-las empobrece ainda mais a família e o país, obrigado a investir em escolas, postos de saúde, hospitais, merenda escolar, vacinas, medicamentos, habitação, Fome Zero e, mais tarde, na construção de cadeias para trancar os malcomportados.
O que o pensamento religioso medieval e as autoridades públicas que se acovardam diante dele fingem não perceber é que, ao negar o acesso dos casais mais pobres aos métodos modernos de contracepção, comprometemos o futuro do país, porque aprofundamos perversamente a desigualdade social e criamos um caldo de cultura que contém os três fatores de risco indispensáveis à explosão da violência urbana: crianças maltratadas na primeira infância e descuidadas na adolescência, que vão conviver com pares violentos quando crescerem.
http://drauziovarella.com.br/mulher-2/planejamento-familiar/
acesso em 15 de agosto de 2014.

A
na fala de religiosos e políticos.
B
nos dados a que se tem acesso sobre os assuntos que envolvem o tema.
C
na observação do perfil de moradores de bairros mais violentos.
D
em dados levantados a partir de sua experiência profissional.
E
na relação entre pobreza e criminalidade.

Gabarito comentado

R
Rosalina Duarte Monitor do Qconcursos

Tema central da questão: Interpretação de Texto. O candidato deve identificar em que se fundamenta a tese do autor, com foco na argumentação utilizada ao longo do texto.

1. Como analisar a questão:
Para resolver esse tipo de questão, recomenda-se: a) identificar a tese defendida; b) localizar as justificativas e os exemplos que o autor utiliza para defender seu ponto de vista. Neste texto, Drauzio Varella discute a falta de planejamento familiar em populações pobres como causa relevante do aumento da violência urbana.

2. Justificativa da alternativa correta (D):
O autor utiliza majoritariamente dados observados em sua experiência profissional — especialmente como médico na Casa de Detenção — para sustentar sua tese. Ele relata que “é difícil achar na cadeia um preso criado por pai e mãe”, mostrando que sua análise é construída a partir da vivência, e não meramente de dados estatísticos externos ou opiniões de terceiros. Essa estratégia é explicada por autores como Celso Cunha e Lindley Cintra, que consideram o uso de exemplos pessoais uma técnica eficaz de argumentação (Nova Gramática do Português Contemporâneo).

3. Por que as demais alternativas estão incorretas:

  • A) na fala de religiosos e políticos: Errada. As opiniões dessas figuras são citadas apenas para contraponto, não para fundamentar a tese principal.
  • B) nos dados a que se tem acesso: Parcialmente correto, pois há dados, mas são secundários em relação à experiência profissional, que é o fio condutor da argumentação.
  • C) na observação do perfil de moradores de bairros violentos: Não corresponde ao texto; o autor se refere a detentos, não especificamente a moradores desses bairros.
  • E) na relação entre pobreza e criminalidade: Embora essa relação seja explorada, ela decorre da argumentação gerada pela experiência do autor, não constitui a base da tese.

Dica importante: Sempre observe quem é o sujeito da fala ou análise no texto (o próprio autor ou terceiros?), pois isso costuma definir a fundamentação da argumentação em questões desse tipo.

Resposta correta: D) em dados levantados a partir de sua experiência profissional.

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