Eis a fábrica. Entrei de novo, sem licença. Eu andava a
esmo, pelo meio do salão de trabalho, tropeçando nos matos
rasteiros. Eu só queria repor as peças em seus lugares,
ligar as máquinas, aquecer o forno e despertar a chaminé. O
menino de novo me observava, talvez curioso ante minha
empreitada. Eu perscrutava-lhe uma pergunta que ele não
alcançou formular. Eu, também funcionário, em certo depois,
minha função era a última de todas. Enfim, eu agora a exercia.
Ouvi que a fábrica apitava e me senti arrepiar inteiro. Estava
findo esse turno de trabalho. Então eu fui saindo.
— Esta fábrica está morta.
O menino disse isso e retomou sua bicicleta. Deu uma
última olhada, foi-se a guiar para longe, fazendo girar o tempo
presente. Era já o cair da tarde; e dentro de mim o apito da
fábrica chorava. Eu via de novo a fumaça formando nuvens e
provava o cheiro morno dos biscoitos. Continuei caminhando,
sem olhar para trás, os matos já não me incomodavam. Era
hora, e eu ia saindo pelo mesmo portão aberto, por onde as
minhas lágrimas passavam.
FONSECA, Aleilton. O sabor das nuvens. O desterro dos mortos:
contos. 3. ed. Itabuna: Via Litterarum, 2012. p. 51.
No conto O sabor das nuvens, que faz parte da obra “O desterro
dos mortos”, metaforiza-se a morte através da perda
Gabarito comentado
Comentário do Gabarito – Interpretação de Texto Literário
Tema central: A questão avalia a interpretação de texto literário, exigindo a identificação do tema, do simbolismo e do significado das imagens evocadas pelo narrador, conforme os princípios da norma-padrão e do texto literário.
Justificativa da alternativa correta — B:
No conto apresentado, a “fábrica morta” simboliza a perda de uma experiência subjetiva de prazer vivenciada na infância, relacionada à existência da fábrica de biscoitos. O narrador, ao revisitar esse lugar agora em ruínas, revive suas memórias sensoriais (cheiro, imagens, sentimentos), reafirmando a centralidade da memória e do desejo de preservar essa experiência por meio do registro escrito – ou seja, da própria literatura.
Segundo mestres como Celso Cunha & Lindley Cintra, interpretar textos envolve reconhecer elementos literários subentendidos, metáforas e intenções do autor. Aqui, é nítido o jogo entre nostalgia, perda e necessidade de eternizar a lembrança.
Análise das alternativas incorretas:
A: Incorreta, pois a fábrica de biscoitos existiu concretamente e não apenas como sonho. O texto é claro ao trazer lembranças físicas associadas ao local.
C: Não há esperança no trecho, mas sim saudade, nostalgia e constatação da perda. O tom melancólico do narrador elimina a ideia de sonho futuro a ser realizado.
D: O momento lembrado não passou despercebido; ao contrário, ele foi marcante e permanece vivo na memória do narrador, reforçando o valor da recordação.
E: A alternativa aborda identidade de forma imprecisa. O texto foca a perda do prazer infantil e da realidade vivida, não uma ruptura identitária profunda.
Estratégia para acertar questões assim: Atente para as imagens, figuras de linguagem e sentimentos do narrador. Elementos como “eram já o cair da tarde”, “me senti arrepiar inteiro” e “chorava” revelam nostalgia e perda, não esperança ou indiferença. Cuidado com alternativas que tragam generalizações ou mudem sutilmente o sentido expresso nas entrelinhas!
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