No poema, os telegramas equivalem
Leia o poema de A rosa do povo, livro de Carlos Drummond
de Andrade publicado em 1945, para responder a questão.
Notícias
Entre mim e os mortos há o mar
e os telegramas.
Há anos que nenhum navio parte
nem chega. Mas sempre os telegramas
frios, duros, sem conforto.
Na praia, e sem poder sair.
Volto, os telegramas vêm comigo.
Não se calam, a casa é pequena
para um homem e tantas notícias.
Vejo-te no escuro, cidade enigmática.
Chamas com urgência, estou paralisado.
De ti para mim, apelos,
de mim para ti, silêncio.
Mas no escuro nos visitamos.
Escuto vocês todos, irmãos sombrios.
No pão, no couro, na superfície
macia das coisas sem raiva,
sinto vozes amigas, recados
furtivos, mensagens em código.
Os telegramas vieram no vento.
Quanto sertão, quanta renúncia atravessaram!
Todo homem sozinho devia fazer uma canoa
e remar para onde os telegramas estão chamando.
(Poesia 1930-62. São Paulo, Cosac Naif, 2012)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de Texto, com foco na compreensão de sentido conotativo e no simbolismo dos elementos poéticos, especialmente na análise semântica de palavras no contexto literário.
O poema de Carlos Drummond de Andrade utiliza o termo “telegramas” como símbolo das notícias necessárias, mas dolorosas, referentes ao sofrimento humano durante um período de crise (Segunda Guerra Mundial). Com isso, a questão exige que o candidato perceba a diferença entre significado literal e sentido figurado.
Alternativa correta (E): às notícias de vítimas de algum tipo de privação ou violência, com as quais o eu lírico se solidariza.
O texto traz expressões como “frios, duros, sem conforto”, “irmãos sombrios”, “recados furtivos”, “mensagens em código”, que remetem a informações doloridas e cifradas, típicas de contextos de guerra e sofrimento coletivo. Segundo Evanildo Bechara, em situações poéticas, a palavra transcende seu significado original, ganhando novas camadas de sentido. Esse raciocínio permite identificar que os telegramas são, na verdade, notícias sobre privação e violência.
Análise das alternativas incorretas:
- A) Aglutina um contexto de propaganda governamental que não há indício no poema. Nenhuma passagem sugere ação de angariar votos ou exaltação política.
- B) Cita telefonemas e ruptura deliberada com amigos/familiares, o que não ocorre no texto: a separação é mais existencial e coletiva.
- C) Fala em cartas com tom tranquilizador; contudo, os telegramas são “sem conforto”, oposto ao tranquilizar.
- D) Aponta para convites de partidos políticos e ideais capitalistas, temática ausente no poema.
Para resolver questões como essa, atente-se para palavras-chave com valor simbólico, busque deduzir o contexto histórico e perceba possíveis armadilhas como generalizações, termos deslocados ou informações que extrapolam o texto.
Como orientam Cunha & Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), a análise semântica e a adequada leitura do contexto são fundamentais para interpretar textos literários em concursos.
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