Considerando os aspectos estéticos e semânticos
presentes no texto, a imagem da pérola configura uma
percepção que
Pérolas absolutas
Há, no seio de uma ostra, um movimento — ainda que
imperceptível. Qualquer coisa imiscuiu-se pela fissura,
uma partícula qualquer, diminuta e invisível. Venceu as
paredes lacradas, que se fecham como a boca que tem
medo de deixar escapar um segredo. Venceu. E agora
penetra o núcleo da ostra, contaminando-lhe a própria
substância. A ostra reage, imediatamente. E começa
a secretar o nácar. É um mecanismo de defesa, uma
tentativa de purificação contra a partícula invasora.
Com uma paciência de fundo de mar, a ostra profanada
continua seu trabalho incansável, secretando por anos a
fio o nácar que aos poucos se vai solidificando. É dessa
solidificação que nascem as pérolas.
As pérolas são, assim, o resultado de uma
contaminação. A arte por vezes também. A arte é
quase sempre a transformação da dor. [...] Escrever
é preciso. É preciso continuar secretando o nácar,
formar a pérola que talvez seja imperfeita, que talvez
jamais seja encontrada e viva para sempre encerrada
no fundo do mar. Talvez estas, as pérolas esquecidas,
jamais achadas, as pérolas intocadas e por isso
absolutas em si mesmas, guardem em si uma parcela
faiscante da eternidade.
SEIXAS, H. Uma ilha chamada livro. Rio de Janeiro: Record, 2009 (fragmento).
Pérolas absolutas
Há, no seio de uma ostra, um movimento — ainda que imperceptível. Qualquer coisa imiscuiu-se pela fissura, uma partícula qualquer, diminuta e invisível. Venceu as paredes lacradas, que se fecham como a boca que tem medo de deixar escapar um segredo. Venceu. E agora penetra o núcleo da ostra, contaminando-lhe a própria substância. A ostra reage, imediatamente. E começa a secretar o nácar. É um mecanismo de defesa, uma tentativa de purificação contra a partícula invasora. Com uma paciência de fundo de mar, a ostra profanada continua seu trabalho incansável, secretando por anos a fio o nácar que aos poucos se vai solidificando. É dessa solidificação que nascem as pérolas.
As pérolas são, assim, o resultado de uma contaminação. A arte por vezes também. A arte é quase sempre a transformação da dor. [...] Escrever é preciso. É preciso continuar secretando o nácar, formar a pérola que talvez seja imperfeita, que talvez jamais seja encontrada e viva para sempre encerrada no fundo do mar. Talvez estas, as pérolas esquecidas, jamais achadas, as pérolas intocadas e por isso absolutas em si mesmas, guardem em si uma parcela faiscante da eternidade.
SEIXAS, H. Uma ilha chamada livro. Rio de Janeiro: Record, 2009 (fragmento).