“assim como uma grande chuva pode matar a sede de quem
queria uns goles de água.” (3°
parágrafo)
A imagem literária presente nessa passagem exprime uma
comparação baseada
Leia o trecho do conto “As caridades odiosas”, de Clarice
Lispector, para responder à questão.
Foi uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade?
Eu passava pela rua depressa, emaranhada nos meus pensamentos, como às vezes acontece. Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se enganchara na minha saia.
Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura.
Pertencia a um menino a que a sujeira e o sangue interno
davam um tom quente de pele. O menino estava de pé no
degrau da grande confeitaria. Seus olhos, mais do que suas
palavras meio engolidas, informavam-me de sua paciente aflição. Paciente demais. Percebi vagamente um pedido, antes
de compreender o seu sentido concreto. Um pouco aturdida
eu o olhava, ainda em dúvida se fora a mão da criança o que
me ceifara os pensamentos.
– Um doce, moça, compre um doce para mim.
Acordei finalmente. O que estivera eu pensando antes
de encontrar o menino? O fato é que o pedido deste pareceu cumular uma lacuna, dar uma resposta que podia servir
para qualquer pergunta, assim como uma grande chuva pode
matar a sede de quem queria uns goles de água.
Sem olhar para os lados, por pudor talvez, sem querer
espiar as mesas da confeitaria onde possivelmente algum
conhecido tomava sorvete, entrei, fui ao balcão e disse com
uma dureza que só Deus sabe explicar: um doce para o
menino.
(A descoberta do mundo, 1999.)
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de texto – figuras de linguagem, mais especificamente a comparação com efeito de desproporção.
No excerto analisado, Clarice Lispector utiliza a frase: “assim como uma grande chuva pode matar a sede de quem queria uns goles de água.” Aqui, há uma comparação explícita (indicada pelo conectivo “assim como”), que aproxima dois elementos: a necessidade de algo pequeno (“uns goles de água”) e uma resposta excessiva (“uma grande chuva”).
Justificativa da alternativa correta (C – numa desproporção):
Segundo a norma-padrão e reconhecidas gramáticas brasileiras (Cunha & Cintra, Bechara), em figuras de comparação a desproporção ocorre quando há grande diferença entre os termos comparados. No trecho, quem “queria uns goles de água” recebe uma “grande chuva” – a desproporção, portanto, está entre o tamanho do desejo e o tamanho da resposta, o que reforça o efeito pretendido pela autora de mostrar algo que vai além do necessário.
Exemplo prático: Alguém pede um favor pequeno e recebe uma ajuda imensa. Isso é desproporcional, exatamente a ideia transmitida pelo texto.
Análise das alternativas incorretas:
A) Redundância: Refere-se à repetição desnecessária de ideias (ex: “subir para cima”). Não há, no trecho, repetição, mas sim comparação.
B) Ironia: Envolve expressar o contrário do que se pensa. O trecho não apresenta inversão de sentido.
D) Atenuação: Consiste em suavizar (eufemismo), oposto do que ocorre aqui, pois há ênfase e exagero, não moderação.
E) Paradoxo: É a justaposição de ideias contraditórias (“o silêncio ensurdecedor”). No texto, não há contradição, mas exagero comparativo.
Estratégia para provas: Sempre observe comparações com amplitude muito diferente entre os elementos: isso indica desproporção! Fique atento a perguntas de interpretação com pegadinhas – palavras como “paradoxo”, “redundância” e “ironia” são frequentemente confundidas, por isso, entenda bem cada conceito.
Referência: Cunha & Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo; Bechara, Moderna Gramática Portuguesa.
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