“Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se enganchara na minha saia. Voltei-me e vi que se tratava de uma
mão pequena e escura. Pertencia a um menino a que a
sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele.”
(1° parágrafo)
A passagem narra o momento inicial do encontro da narradora com seu interlocutor. Tal momento é caracterizado
“Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se enganchara na minha saia. Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura. Pertencia a um menino a que a sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele.” (1° parágrafo)
A passagem narra o momento inicial do encontro da narradora com seu interlocutor. Tal momento é caracterizado
Leia o trecho do conto “As caridades odiosas”, de Clarice
Lispector, para responder à questão.
Foi uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade?
Eu passava pela rua depressa, emaranhada nos meus pensamentos, como às vezes acontece. Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se enganchara na minha saia.
Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura.
Pertencia a um menino a que a sujeira e o sangue interno
davam um tom quente de pele. O menino estava de pé no
degrau da grande confeitaria. Seus olhos, mais do que suas
palavras meio engolidas, informavam-me de sua paciente aflição. Paciente demais. Percebi vagamente um pedido, antes
de compreender o seu sentido concreto. Um pouco aturdida
eu o olhava, ainda em dúvida se fora a mão da criança o que
me ceifara os pensamentos.
– Um doce, moça, compre um doce para mim.
Acordei finalmente. O que estivera eu pensando antes
de encontrar o menino? O fato é que o pedido deste pareceu cumular uma lacuna, dar uma resposta que podia servir
para qualquer pergunta, assim como uma grande chuva pode
matar a sede de quem queria uns goles de água.
Sem olhar para os lados, por pudor talvez, sem querer
espiar as mesas da confeitaria onde possivelmente algum
conhecido tomava sorvete, entrei, fui ao balcão e disse com
uma dureza que só Deus sabe explicar: um doce para o
menino.
(A descoberta do mundo, 1999.)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de Texto. O foco da questão é analisar como se constrói, no texto de Clarice Lispector, a apresentação gradativa e humanização do personagem (o menino), através do olhar e da percepção da narradora.
A habilidade fundamental exigida é a de compreensão da narrativa — identificar a construção do sentido e a progressão descritiva dos personagens, conforme destaca a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Cunha & Cintra, 2013): “A interpretação exige entender como o narrador apresenta os fatos e constrói as imagens dos personagens.”
Justificativa da alternativa correta:
A) pela aparição e humanização gradativa do menino, referido sucessivamente como ‘coisa’, ‘mão’ e ‘menino’
No texto, há uma progressão de percepção da narradora: ela sente “alguma coisa” prendendo sua saia; logo após, identifica uma “mão pequena e escura”; então percebe que se trata de um “menino”. Esse movimento é típico do processo de humanização – de algo indefinido e impessoal até a identificação de um ser humano, como esclarece Evanildo Bechara em sua Moderna Gramática Portuguesa: o sentido de um termo pode ganhar densidade semântica conforme o contexto e a progressão do discurso.
Estratégia para acertar questões semelhantes: Observe sempre a sequência com que os elementos aparecem e como o narrador ou personagem vai se dando conta do que ocorre. Busque palavras que indicam evolução ou mudança de ponto de vista!
Análise das alternativas incorretas:
B) pela reação violenta da mulher ao ser incomodada em seus pensamentos.
Incorreta: Não há reação violenta; a narradora apenas se mostra surpresa e reflexiva.
C) pela revelação de uma grande verdade como consequência de um fato trivial.
Incorreta: O texto não traz uma “grande verdade” revelada no trecho analisado.
D) por um desgosto da mulher em relação à sujeira do menino que a abordara.
Incorreta: A emoção de desgosto não está presente no trecho. Há descrição, não repulsa.
E) por uma reflexão da mulher, uma crítica social em relação às condições dos menos favorecidos.
Incorreta: O texto não traz crítica social explícita ou reflexão sociológica nesse momento; a ênfase é no impacto e percepção individual da narradora.
Resumo: O elemento que resolve a questão é a progressão de despersonalizado para humanizado: coisa → mão → menino. Saber identificar esse mecanismo é essencial para leitura atenta e interpretação precisa em provas de vestibular e concursos.
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