Questão d1b859a0-e4
Prova:PUC-GO 2016
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Desenvolvido incialmente como um folhetim, o romance Quincas Borba, de Machado de Assis, utiliza a ironia e o pessimismo para retratar e questionar os costumes da época. Sobre essa obra é possível afirmar que (assinale a alternativa correta):

TEXTO 8

                                             IX

Horas depois, teve Rubião um pensamento horrível. Podiam crer que ele próprio incitara o amigo à viagem, para o fim de o matar mais depressa, e entrar na posse do legado, se é que realmente estava incluso no testamento. Sentiu remorsos. Por que não empregou todas as forças, para contê-lo? Viu o cadáver do Quincas Borba, pálido, hediondo, fitando nele um olhar vingativo; resolveu, se acaso o fatal desfecho se desse em viagem, abrir mão do legado.

Pela sua parte o cão vivia farejando, ganindo, querendo fugir; não podia dormir quieto, levantava-se muitas vezes, à noite, percorria a casa, e tornava ao seu canto. De manhã, Rubião chamava-o à cama, e o cão acudia alegre; imaginava que era o próprio dono; via depois que não era, mas aceitava as carícias, e fazia-lhe outras, como se Rubião tivesse de levar as suas ao amigo, ou trazê-lo para ali. Demais, havia-se-lhe afeiçoado também, e para ele era a ponte que o ligava à existência anterior. Não comeu durante os primeiros dias. Suportando menos a sede, Rubião pôde alcançar que bebesse leite; foi a única alimentação por algum tempo. Mais tarde, passava as horas, calado, triste, enrolado em si mesmo, ou então com o corpo estendido e a cabeça entre as mãos.

Quando o médico voltou, ficou espantado da temeridade do doente; deviam tê-lo impedido de sair; a morte era certa.

— Certa?

— Mais tarde ou mais cedo. Levou o tal cachorro?

— Não, senhor, está comigo; pediu que cuidasse dele, e chorou, olhe que chorou que foi um nunca acabar. Verdade é, disse ainda Rubião para defender o enfermo, verdade é que o cachorro merece a estima do dono; parece gente.

O médico tirou o largo chapéu de palha para concertar a fita; depois sorriu. Gente? Com que então parecia gente? Rubião insistia, depois explicava; não era gente como a outra gente, mas tinha coisas de sentimento, e até de juízo. Olhe, ia contar-lhe uma...

— Não, homem, não, logo, logo, vou a um doente de erisipela... Se vierem cartas dele, e não forem reservadas, desejo vê-las, ouviu? E lembranças ao cachorro, concluiu saindo.

Algumas pessoas começaram a mofar do Rubião e da singular incumbência de guardar um cão em vez de ser o cão que o guardasse a ele. Vinha a risota, choviam as alcunhas. Em que havia de dar o professor! sentinela de cachorro! Rubião tinha medo da opinião pública. Com efeito, parecia-lhe ridículo; fugia aos olhos estranhos, olhava com fastio para o animal, dava-se ao diabo, arrenegava da vida. Não tivesse a esperança de um legado, pequeno que fosse. Era impossível que lhe não deixasse uma lembrança.

(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: Ática, 2011. p. 30-31.)

A
a personagem título morre pobre, apesar de ter tido uma vida repleta de bens, e louca a ponto de acreditar que era Napoleão Bonaparte.
B
é um romance narrado em terceira pessoa, que analisa a desagregação psicológica e financeira do professor Rubião.
C
apesar de retratar a sociedade burguesa do século XIX, o romance não tem a pretensão de criticar o uso das relações amorosas para solucionar problemas financeiros.
D
conta a história de Quincas Borba, filósofo que teoriza sobre o humanitismo, que se torna vítima ao ser ludibriado pelo casal Cristiano Palha e Sofia.

Gabarito comentado

C
Christian CamachoMentor Qconcursos

Tema central: A questão exige interpretação textual e análise de coerência com base no romance “Quincas Borba”, de Machado de Assis. O candidato deve reconhecer a linha narrativa principal e os papéis das personagens, além de identificar críticas sociais presentes na obra.

Justificativa da alternativa correta (B):
B) É um romance narrado em terceira pessoa, que analisa a desagregação psicológica e financeira do professor Rubião.
A alternativa está correta porque Machado de Assis constrói “Quincas Borba” sob o ponto de vista de um narrador observador, em terceira pessoa, acompanhando a trajetória de Rubião após herdar a fortuna de Quincas Borba. O romance explora, de maneira profunda, a progressiva ruína psicológica e econômica do personagem principal, evidenciando sua fragilidade perante a pressão social, a cobiça alheia e suas próprias ilusões, conforme destacado por Bechara e Cunha & Cintra nos capítulos sobre análise literária e textualidade.

Análise das alternativas incorretas:

A) Incorreta. Quincas Borba, o filósofo, não acredita ser Napoleão nem morre pobre. É Rubião quem, no fim, tem delírios de grandeza e se identifica com Napoleão, resultado da alienação e loucura.

C) Incorreta. Afirma ser isento de crítica social, mas a crítica é uma característica marcante da obra. Machado ironiza relações amorosas por interesse, especialmente entre Sofia, Rubião e Palha, expondo o oportunismo da sociedade da época.

D) Incorreta. Relata equivocadamente o enredo: Quincas Borba não é ludibriado por Cristiano Palha e Sofia. Quem sofre exploração após herdar a fortuna é Rubião.

Estratégia para acertos futuros:
Fique atento a palavras-chave como “enredo”, “personagem”, “crítica social” e a relações de causa e consequência indicadas no texto base e nos enunciados. Evite generalizações apressadas e confirme sempre se a informação condiz com a trama original.

Dica: Consulte sempre gramáticas de referência, como Bechara e Cunha & Cintra, e revise o enredo básico de grandes obras.

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