“O milagre econômico e o autoritarismo
político caminharam juntos durante a ditadura
militar. A sociedade brasileira se dividia entre os
pequenos luxos e os grandes horrores da década de
1970. Os jornais de contestação eram feitos,
porém, na mesma garagem onde se guardava o
carro zero [...] Para os que não partiram num ‘rabo
de foguete’ como diz a canção, a realidade era uma
sucessão de conflitos morais, impulsos,
sentimentos e pensamentos contraditórios.”
SCHWARCZ, Lília Moritz. História da Vida Privada
no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. V.4.
Analise as seguintes afirmações a respeito do que
sugere a historiadora Lília Schwarcz, no fragmento
acima, quanto à participação da classe média
brasileira na oposição à ditadura militar.
I. A participação de membros da classe média
intelectualizada na oposição à ditadura foi
significativa.
II. A grande maioria desse segmento acabou
partindo rumo à fantasia da insurreição
armada, em virtude da forte rejeição à ordem
ditatorial e do pavor à tortura.
III. A combinação do autoritarismo com o
crescimento econômico deixou a oposição da
classe média, ao mesmo tempo, entre “o
chicote e o afago”.
Está correto o que se afirma em
Gabarito comentado
Resposta correta: D — I e III apenas.
Tema central: compreende a atuação da classe média (especialmente a intelectualizada) durante a ditadura militar (1964–1985), e como o milagre econômico articulou-se com o autoritarismo produzindo reações sociais ambíguas.
Resumo teórico (essencial): a partir do AI‑5 (1968) intensificou‑se a repressão; porém, o crescimento econômico do final dos anos 1960 e início dos 1970 elevou consumo e padrões de vida para uma parte da população. Isso levou a comportamentos contraditórios: apoio tácito ou acomodação por conforto material, e resistência de setores intelectuais — através de jornais alternativos, universidades, música e arte — sem que a maior parte da classe média abraçasse a luta armada. (Fontes: L. M. Schwarcz, História da Vida Privada; para quadro político, AI‑5 e estudos como Skidmore, Brasil: da ditadura à democracia.)
Por que a alternativa D está correta:
I — Correta. O fragmento destaca que “os jornais de contestação eram feitos... na mesma garagem onde se guardava o carro zero”: indica a presença efetiva de setores da classe média intelectual na oposição — imprensa alternativa, artistas, professores e advogados formaram núcleo relevante de contestação cultural e política.
III — Correta. A expressão “pequenos luxos e os grandes horrores” e a formulação “entre ‘o chicote e o afago’” ilustram exatamente a ambivalência gerada pela combinação de crescimento econômico (afago) e repressão (chicote): muitas atitudes ambíguas e conflitos morais entre os que desfrutavam do consumo, mas rejeitavam a violência estatal.
Análise das alternativas incorretas:
II — Errada. A afirmação de que “a grande maioria” partiu para a insurreição armada é falsa. Apenas uma minoria — radicais e alguns grupos guerrilheiros — optou pela luta armada; a maior parte da classe média reagiu por vias civis (imprensa alternativa, artes, movimentos estudantis e religiosos) ou por acomodação/Êxodo (emigração), mas não pela adesão massiva à insurgência. O texto de Schwarcz e a historiografia mostram oposição relevante, porém não hegemônica e não predominantemente armada (ver Skidmore; Dulles sobre os movimentos armados).
Dicas de interpretação para concursos: ao ler enunciados sobre comportamentos sociais na ditadura, procure palavras‑chave: “maioria”, “significativa”, “parte”, “fantasia da insurreição”. Questões costumam testar nocão de proporção histórica — cuidado com generalizações absolutas (ex.: “a grande maioria”). Relacione sempre "milagre econômico" + "repressão" com ambivalência social.
Referências rápidas: Lília M. Schwarcz, História da Vida Privada no Brasil (v.4); Ato Institucional nº 5 (1968); Thomas Skidmore, Brazil: Five Centuries of Change.
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