O livro Macunaíma, de Mário de Andrade, é um marco do Modernismo brasileiro. A passagem transcrita
é significativa do estranhamento provocado pela cidade grande e por suas máquinas no protagonista da
obra. Além disso, o trecho é bastante representativo da grande variedade de figuras de linguagem
utilizadas pelo autor para construção da narrativa. As máquinas, muitas passam, então, à condição de
antagonistas dos homens brancos, os “filhos da mandioca”. Como se pode ver no trecho: “Os filhos da
mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta. Há empate”, embora em muitos
trechos Macunaíma divinize a máquina, em outros, ele a humaniza, através da figura de linguagem
classificada como
Piaimã
A inteligência do herói estava muito perturbada. Acordou com os berros da bicharia lá em baixo nas
ruas, disparando entre as malocas temíveis. E aquele diacho de sagui-açu (...) não era saguim não,
chamava elevador e era uma máquina. De-manhãzinha ensinaram que todos aqueles piados berros
cuquiadas sopros roncos esturros não eram nada disso não, eram mas cláxons campainhas apitos buzinas
e tudo era máquina. As onças pardas não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolés
dodges mármons e eram máquinas.
O herói aprendendo calado. De vez em quando estremecia. Voltava a ficar imóvel escutando
assuntando maquinando numa cisma assombrada. Tomou-o um respeito cheio de inveja por essa deusa
de deveras forçuda, Tupã famanado que os filhos da mandioca chamavam de Máquina, mais cantadeira
que a Mãe-d’água, em bulhas de sarapantar. Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser também
imperador dos filhos da mandioca. Mas as três cunhãs deram muitas risadas e falaram que isso de deuses era gorda mentira antiga, que não tinha deus não e que com a máquina ninguém não brinca porque ela
mata. A máquina não era deus não, nem possuía os distintivos femininos de que o herói gostava tanto.
Era feita pelos homens. Se mexia com eletricidade com fogo com água com vento com fumo, os homens
aproveitando as forças da natureza. Porém jacaré acreditou? nem o herói!
[... ]
Estava nostálgico assim. Até que uma noite, suspenso no terraço dum arranhacéu com os manos,
Macunaíma concluiu: — Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta.
Há empate.
ANDRADE, Mário. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986. p. 110.
Gabarito comentado
Tema central da questão: Figuras de linguagem, especificamente a prosopopeia (ou personificação), dentro da interpretação textual e análise literária.
O candidato deveria analisar um trecho da obra Macunaíma, de Mário de Andrade, reconhecendo o uso da prosopopeia: a atribuição de características humanas a seres inanimados ou não humanos, neste caso, as máquinas.
Justificativa da alternativa correta (A – Prosopopeia):
No texto, o autor atribui qualidades humanas à máquina, comparando-a a uma “deusa” e discutindo-a como entidade dotada de poder e personalidade. Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo):
“A prosopopeia consiste em atribuir sentimentos ou ações próprios dos seres humanos a seres inanimados ou irracionais.”
Exemplo extraído do texto: “Macunaíma concluiu: — Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta.” Aqui, a máquina é personificada, inserida na luta como agente pensante, típico de seres humanos.
Análise das alternativas incorretas:
B) Onomatopeia: Refere-se à reprodução de sons por meio de palavras (ex.: tic-tac, zum-zum), o que não ocorre no trecho em questão.
C) Hipérbato: É a inversão da ordem natural das palavras na frase. No trecho citado, a ordem dos termos mantém-se comum, sem inversão significativa.
D) Metonímia: Consiste na substituição de um termo por outro com o qual mantém uma relação de proximidade (ex.: “ler Machado de Assis” em vez de “ler a obra de Machado de Assis”). No texto, não há essa relação de troca.
E) Assonância: Ocorre quando há repetição de sons vocálicos para criar ritmo e musicalidade. Não há recorrência de vogais justificando essa figura no trecho.
Estratégia de resolução: Procure sempre identificar a essência das figuras de linguagem, analisando não só o termo destacado, mas o contexto e as ações atribuídas aos elementos do texto. Muitos enunciados fazem pegadinhas misturando termos sonoros ou inversões simples para confundir figuras como prosopopeia e onomatopeia.
Resumo da regra: Prosopopeia/personificação: atribuição de características humanas a seres não humanos — conceito presente em todas as gramáticas de referência como Bechara, Cunha & Cintra e Rocha Lima.
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