Questão c6af5d1f-fd
Prova:UNICENTRO 2018
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Intertextualidade

O título recorre a um enunciado que circula cotidianamente nas campanhas/propagandas contra o tabagismo. Tal procedimento constitui o que se chama de

Leia o texto a seguir e responda à questão:

Viver em cima do muro é prejudicial à saúde
Élida Ramirez
    Ocre. Sempre me incomodou essa cor. Sabe aquele marrom amarelado? O tal burro fugido? Exato isso! Quando vejo alguém com roupa ocre, tenho maior aflição. Certa feita, entrei em um consultório médico to-di-nho ocre. Paredes, chão, quadros. Tive uma gastura horrorosa. A sensação é que o ocre existe no dilema de não ser amarelo nem marrom. Invejando o viço das outras colorações definidas e nada fazendo para mudar sua tonalidade. Isso explica meu desconforto. O ocre, para mim, ultrapassa o sentido de cor. Ele dá o tom da existência do viver em cima do muro. E conviver com gente assim é um transtorno.
    É fato que a tal “modernidade líquida”, definida por Bauman, favorece o comportamento. Pensemos. Segundo o sociólogo, a globalização trouxe o encurtamento das distâncias, borrando fronteiras. E, ao reconfigurar esses limites geográficos, mudou a concepção de si do sujeito bem como sua relação com as instituições. Muito rapidamente houve um esfacelamento de estruturas rígidas como a família e o estado. Essa mudança do sólido para líquido detonou o processo de individualização generalizado no mundo ocidental reforçando o conceito de que “Nada é para durar” (Bauman). Então, desse jeito dá para ser mutante pleno nesse viver em cima do muro. Nem amarelo ou marrom. Ocre. Por isso, discursos ocos de pessoas com personalidades fluidas ganham espaço. E vão tomando a forma do ambiente, assim como a água. Uma fusão quase nebulosa que embaça o comprometimento.
    Nota-se ainda certo padrão do viver em cima do muro. Como uma receitinha básica. Vejam só: Misture meias palavras em um discurso politicamente correto. Inclua, com ar de respeito, a posição contrária. Cozinhe em banho-maria. Deixe descansar, para sempre, se puder. Se necessário, volte ao fogo brando. Não mexa mais. Sirva morno. Viu? Simples de fazer. Difícil é digerir.
    É porque, na prática, a legião de ocres causa a maior complicação. Quem vive do meio de campo, sem decidir sua cor publicamente, não tem o inconveniente de arcar com as escolhas. Quase nunca se tornará um desafeto. Fará pouco e, muitas vezes, será visto com um sujeito comedido. Quem não escolhe tem mais liberdade para mudar de ideia. Não fica preso ao dito anteriormente. Exatamente porque não disse nada. Não se comprometeu com nada. Apenas proferiu ideias genéricas e inconclusivas estando liberado para transitar por todos os lados, segundo sua necessidade. Ao estar em tudo não estando em nada, seja para evitar responsabilidades, não se expor à crítica ou fugir de polêmicas, o em cima do muro se esconde, sobrecarrega e expõe aqueles que bancam opiniões.
    Portanto, conviver com quem não toma posição, de forma crônica, atrasa a vida. Ao se esquivar de escolher, o indivíduo condena o outro a fazê-lo em seu lugar. Reconheço que, às vezes, a gente leva tempo para se decidir por algo. Todos temos medos que nos impedem de agir. Mas ouso dizer: nunca tomar partido nas situações é covardia. Parece, inclusive, que o viver em cima do muro é mais confortável que a situação do mau-caráter. É que o sacana, ao menos, se define. Embora atue na surdina, sua ação reflete um posicionamento. Já o indefinido, não. Ele vive na toada do alheio. E, curiosamente, também avacalha o próprio percurso por delegar ao outro a sua existência.
    Recorro outra vez a Bauman para esclarecer: “Escapar da incerteza é um ingrediente fundamental presumido, de todas e quaisquer imagens compósitas da felicidade genuína, adequada e total, sempre parece residir em algum lugar à frente”. Por isso, atenção! Viver em cima do muro é prejudicial à sua própria saúde. Facilita a queda e impede novos caminhos. Um deles, o da alegria de poder ser. Talvez seja isso a que Bauman se refere quando trata da fuga da incerteza para alcançar a felicidade genuína. E, pensando bem, desconheço imagem de alegria predominantemente ocre.
    
Texto adaptado e disponível em: https://www.revistabula.com/16514-viver-em-cima-do-muro-e-prejudicial-a-saude/. Acesso em 14 de ago. 2018.

A
ambiguidade
B
pertinência
C
pressuposição
D
intertextualidade
E
homonímia

Gabarito comentado

C
Camilo CordeiroTime de mentores Qconcursos

Tema central: Interpretação de texto – intertextualidade.

Na questão, a banca explora o conceito de intertextualidade, fundamental para a análise de produções textuais em vestibulares e concursos, conforme explicam Koch & Bentes e Genette.

Intertextualidade, pela norma-padrão e estudiosos como Ingedore Koch, ocorre quando um texto dialoga com outro texto existente, aproveitando sua forma, estrutura ou sentido para criar novos efeitos de significado. Segundo Gérard Genette, é o fenômeno pelo qual se percebe a presença de um texto anterior em um texto novo, seja por alusão, citação, paródia, ironia ou referências implícitas.

No caso do título “Viver em cima do muro é prejudicial à saúde”, nota-se uma alusão direta às conhecidas frases de campanhas antitabagistas, como “Fumar é prejudicial à saúde”. O texto se apropria dessa estrutura, gerando um efeito que remete instantaneamente ao leitor uma ideia já consolidada, ampliando a força argumentativa do texto e ativando conhecimentos prévios do público.

Esse recurso é típico da intertextualidade: há apropriação e transformação de enunciado preexistente.

Por que as demais alternativas estão incorretas?

  • Ambiguidade: ocorre quando um enunciado permite mais de um sentido. O título, porém, é claro e não oferece dupla interpretação relevante.
  • Pertinência: trata-se da adequação ou relevância de uma ideia no texto. Não é um fenômeno discursivo nem textual específico para o caso.
  • Pressuposição: envolve informações subentendidas, inferidas pelo leitor, sendo diferente da relação intertextual apresentada.
  • Homonímia: refere-se a palavras de mesma forma gráfica ou sonora, mas de significados diferentes (como “manga” fruta/roupa). Não se aplica ao contexto do título.

Estrategicamente, foque sempre em identificar referências a discursos, frases feitas ou estruturas facilmente reconhecíveis em outros textos. Isso frequentemente revela relações intertextuais.

Resumo: A alternativa D) intertextualidade está correta, pois o título retoma e adapta uma expressão já conhecida, demonstrando o diálogo entre textos.

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