Questão c1887fa6-9a
Prova:PUC-GO 2015
Disciplina:Filosofia
Assunto:Conceitos Filosóficos

O Texto 4 retrata o conflito de uma mulher consigo mesma em razão de um sentimento de culpa. Culpa e punição sempre estiveram presentes no universo feminino. Durante a Idade Média e no limiar da modernidade, na Europa, as atitudes das mulheres eram vistas como ameaças à ordem estabelecida pelo poder patriarcal e pelo poder soberano, em nome do povo, para defender a moral e o direito da comunidade. Analise os itens a seguir sobre a temática:

I-Para os teólogos e moralistas da Idade Média, a sensualidade da mulher sempre esteve no centro das reprovações. Por isso, a preocupação constante dos religiosos com a repressão ou o controle da sexualidade, pois as mulheres, fracas e entregues aos próprios instintos, dificilmente resistiam às artimanhas do Demônio.

II-As canções medievais das fiandeiras retratam o espaço privado das mulheres como lugar de recolhimento, de devaneio, de espera e de convivência.

III-Na perspectiva do pensamento burguês, a imagem da mulher aparece depreciada nas narrativas literárias dos séculos XIV e XV. O amor cortês se transforma em ridicularização, malícia e reprovação dos excessos das mulheres, especialmente a gula e a falta de controle dos instintos.

De acordo com os itens analisados, marque a alternativa que contém apenas proposições corretas:

TEXTO 4

      A dúvida, continuou Laura, maldita dúvida. Essa é minha companheira, a sombra inconveniente que me segura pelos calcanhares, que há de seguir comigo até o túmulo. A morte de Tomázia, será que ela me convinha? Talvez me conviesse. Essa hipótese, eu não tenho como descartar. Seu desaparecimento anularia a prova de meu crime? Teria poder para apaziguar a culpa que continuava latejando mesmo depois de meu rompimento definitivo com Vítor? A dúvida acabou se revelando muito superior à certeza. Mil, um milhão de vezes mais forte. Talvez se eu tivesse sido obrigada a confessar meu crime aos pés de um juiz, se tivesse sido enjaulada entre mulheres que me odiavam, que me submetessem ao horror do estupro, que atentassem contra minha pessoa, a sensação de culpa tivesse sido atenuada. Juro que cheguei a sentir inveja do destino reservado às muçulmanas que cometem o pecado do adultério. Desejei, sim, ser publicamente difamada, arrastada pelos cabelos, enterrada até o pescoço, e, finalmente, ter a cabeça esfacelada a pedradas. Qualquer coisa, qualquer situação limite teria sido menos penosa do que seguir carregando a culpa, enquanto simulava a mais absoluta indiferença. Não tenho vocação para o disfarce, a simulação. Ah, como eu lamentei a perda de meu direito de exibir minha fraqueza como outras mulheres faziam! Mas não, eu tinha a permanente obrigação de ser forte, de estar preparada para o momento em que meu mundo viesse abaixo, como veio.

      A visão de mulheres com as cabeças esfaceladas, transformadas em um bolo de carne sangrento e disforme, partículas de cérebro espatifadas pra tudo que é lado, arrepiou meu corpo dolorido. Sentindo um princípio de náusea, comecei a fungar uma emoçãozinha desconfiada. Essa bruxa tá me embromando, penso, daqui a pouco eu entro na dela, caio em prantos e, alagada de piedade, abraço a velha, aliso seus cabelos grisalhos, cubro-lhe a face enrugada com beijinhos consoladores. Calma, tia, calma! Cuidado com a pressão. Tem aí algum tranquilizante que eu possa lhe dar?

                                   (BARROS, Adelice da Silveira. A mesa dos inocentes. Goiânia: Kelps, 2010. p. 23.)

A
I e II.
B
I , II e III
C
I e III.
D
II e III.

Gabarito comentado

M
Manuela Cardoso Monitor do Qconcursos

Resposta: Alternativa B

Tema central: análise da relação entre culpa, punição e representação feminina na Europa medieval e no limiar da modernidade — conhecimento de história das ideias, literatura medieval e teoria do poder ajuda a resolver a questão.

Resumo teórico (sintético): - A mentalidade religiosa medieval (Padres da Igreja, teólogos escolásticos) frequentemente apresentou a mulher como mais vulnerável à concupiscência e ao Demônio — lógica usada para justificar controles morais e punições (ver, para efeitos históricos, obras como o Malleus Maleficarum, séc. XV). - A lírica medieval ibérica (as chamadas cantigas de amigo) e outros repertórios populares retratam espaços femininos domésticos — recolhimento, espera e intimidade são temas recorrentes. - Com o avanço dos valores burgueses e a transformação das formas literárias nos séculos XIV–XV, surgem representações críticas/irônicas da mulher: o amor cortês é reelaborado e, por vezes, satirizado em obras como o Roman de la Rose e narrativas de caráter moralista (Boccaccio, dentre outros).

Fontes indicativas: Malleus Maleficarum (1487); Roman de la Rose; estudos sobre cantigas de amigo (lírica galego-portuguesa); Michel Foucault, Vigiar e Punir (para compreensão do poder disciplinar sobre corpos).

Por que a alternativa B (I, II e III) está correta: I — Corresponde ao discurso teológico-moral medieval que vinculava a mulher à sensualidade e à tentação. II — As canções femininas/cantigas mostram o espaço privado feminino como locus de espera e intimidade. III — A perspectiva burguesa/renascentista critica e ridiculariza excessos femininos em narrativas dos séculos XIV–XV, transformando parte do amor cortês em sátira moral.

Análise das distratores: A (I e II): omite III, que também é correto. C (I e III): omite II, que descreve adequadamente a lírica feminina medieval. D (II e III): omite I, elemento central do discurso teológico-moral medieval.

Dica de prova: procure termos-chave (teólogos, canções de fiandeiras/cantigas, amor cortês, séculos XIV–XV) e associe-os a gêneros e contextos históricos — isso reduz escolhas erradas por omissão.

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