De acordo com o texto, o antídoto contra a ameaça representada pelo ciberespaço seria:
Radicais Livres
Precursores da Internet se transformam em militantes anti-digital
Quando a internet comercial ainda engatinhava, um grupo de pensadores - cientistas,
filósofos, sociólogos, profissionais liberais - se dedicou a imaginar e construir o ciberespaço, a então
nova fronteira da humanidade. Ele tomaria forma com a hiperconectividade dos indivíduos em rede,
que poderiam, se quisessem, adotar múltiplas identidades naquele ambiente artificial. Só que hoje,
pouco mais de 30 anos depois, os protagonistas desse círculo estão fazendo um apelo desesperado
para que a sociedade se desconecte, sob pena de extinguir o que nos resta de humano.
O cenário retratado pelos digerati é quase devastador. A alcunha vem de literati, "homens
letrados" em latim, termo adaptado, com uma certa verve, para a era digital. E a narrativa comum
é a virada da internet ao avesso: de um imenso território de liberdade e experimentação criativa,
ela teria se transformado num loteamento de espaços fechados, simbolizados pela onipresença das
redes sociais. Um espaço em que usuários têm dados espionados, ações monitoradas e vontades
manipuladas. Mais: esses agrupamentos que se vendem como locais de convivência abertos e
gratuitos, portanto próximos do que imaginaram originalmente os digerati, hoje cobram caro. Quase
todos os frequentadores são obrigados a ver o que é anunciado ali.
Cientista, compositor e escritor, Jaron Lanier, de 58 anos, foi o criador do conceito de realidade
virtual. Fundador da primeira empresa a comercializar essa solução em escala industrial, o novaiorquino é um dos principais articuladores desse movimento. Lanier tem levado seus dreadlocks
longuíssimos aos quatro cantos do mundo em uma campanha de alerta contra o que chama de
"os impérios de modificação de comportamento", como classificou em sua palestra no TED Talks,
em maio. Ele não tem Twitter, Red d it ou Facebook e acaba de lançar o chamado às armas "Ten
arguments for deleting your social media accounts right now" ("Dez argumentos para deletar agora
sua conta nas redes sociais", em tradução livre).
O mecanismo dos likes
Lanier alega que nas redes sociais o cidadão perde seu livre-arbítrio e se submete ao mecanismo
viciante dos likes: "Eles alimentam esses sentimentos, e você fica preso num loop", diz. A discussão
é tão procedente que o criador da World Wide Web, o físico inglês Tim Berners-Lee, 63, afirmou,
na edição deste mês da revista Vanity Fair, que está "devastado" com os rumos de sua invenção. Ele
decidiu desenvolver um antídoto: trabalha no momento em uma plataforma para redescentralizar
a internet, para devolver aos usuários o poder e a autonomia sobre os dados que desejam acessar.
"Quem quer assegurar que a internet sirva de fato à humanidade está hoje preocupado com o que
vê no mundo digital" - diz.
Especialista em estudos de ciência e tecnologia, Sherry Turkle, 70, vai além. E recomenda
o desligamento de celulares e redes sociais. Professora do Massachusetts Institute of Technology,
ela acompanhou a mudança de comportamento dos usuários online e estudou desde as múltiplas
personas que habitavam os mundos artificiais até a egotrip e a alienação que comprometem o convívio na sociedade real. Turkle é autora do primeiro livro sobre a formação da identidade no
ambiente virtual, ''Life on the screen" ("Vida na tela" em tradução livre, de 1995). Em abril, ela
publicou um artigo analisando como o crescente repúdio ao Facebook não nos impedirá de seguir
ativos na rede social. O motivo? "Ele nos permite ter uma versão melhor de nós mesmos".
Cientista da computação, escritor e ativista do Software Livre, o americano Richard Stallman,
65, discorda da proposta de desconexão total. Com uma forte ressalva. O uso que ele faz é bem
peculiar. Stallman não tem celular, não entra em redes sociais e aboliu aplicativos e programas que
utilizam software proprietário. Argumenta que eles são desenhados pelas corporações justamente
para manipular e controlar dados dos usuários. "As empresas que desenvolvem esses programas têm
controle total sobre o que as pessoas fazem. Se quiserem, elas podem espionar usuários, restringilos ou manipulá-los. Estamos indefesos, impotentes perante a vontade das corporações" - afirma.
Todas as mensagens que Stallman envia de seu correio eletrônico chegam com uma declaração
de defesa da Constituição dos EUA, num recado a "eventuais agentes federais americanos que
estejam lendo". Ele fez a reportagem assumir por escrito que leria 13 artigos sobre software livre e
se negou a conversar por Skype ou WhatsApp.
O cientista conta ainda que disse "não, obrigado" ao aprender que todo smartphone, sem
exceção, permite às redes telefônicas seguir seus movimentos. E que, segundo ele, quase todo
aparelho pode ser convertido num dispositivo de escuta. "Não foi difícil dizer não, já que a alternativa
era entregar minha liberdade" - argumenta.
Procurados por O Globo, Facebook e Twitter não se pronunciaram. O Google informou em nota
que anunciou em maio novos recursos com o objetivo de ajudar os usuários a recorrer à tecnologia "de
forma mais criteriosa, para desconectar quando necessário e criar hábitos saudáveis em suas famílias".
Sérgio Branco, diretor e fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro,
voltado para a promoção de práticas de regulação na área, concorda que as pessoas ainda não se
conscientizaram do perigo, especialmente, porque, ele diz, "vive-se a ilusão de que tudo é gratuito".
"Jamais será um ato puramente inocente fornecer dados em troca de conteúdo, porque não temos
controle sobre o que as empresas farão com eles" - alerta o advogado.
Como exemplo, ele cita um caso revelado pelo documentário As vítimas do Facebook,
lançado pelos diretores canadenses Geoff D'Eon e Jay Dahl em 2011. Uma mulher diagnosticada
com depressão severa recebeu como indicação médica sair de férias. Levou a mãe a um cruzeiro
no Caribe e postou fotos no Facebook. Seu plano de saúde, que monitorava os dados, viu a foto e
cancelou o serviço. A alegação? Quem está em depressão profunda não viaja para o Caribe de férias
e muito menos celebra a alegria no universo digital.
Redes sociais: outras formas de compartilhar
Se o ciberespaço hoje aparenta ser um lugar ameaçador, a solução para voltarmos a habitar
um local seguro e livre pode ser resumida em uma única palavra: conscientização. Stallman, em
seu libelo em favor das liberdades individuais, duvida que as empresas desistam de seus lucros
para racionalizar o que estão fazendo. Ele aponta uma saída simples e objetiva: "Depende de nós. Precisamos nos recusar a usar programas e plataformas abusivas. A maneira de acabar com o poder
das empresas sobre os usuários é insistir em que eles usem software livre. Assim, eles próprios
controlariam os programas e poderíam alterá-los. Quando seus amigos disserem que não querem
mais usar Facebook, WhatsApp, Skype ou qualquer outro sistema de comunicação viciante, por
favor, faça um esforço e coopere. Não descarte a amizade, encontre outras formas de dividir com
eles informações sobre eventos sociais" - diz Stallman.
Já Jaron Lanier sugere "voltar o relógio" e reinventar a participação nas redes sociais. Não mais
aceitar um ambiente de oferta de conteúdo aparentemente gratuito, mas ajudar a financiar espaços
de concentração de conhecimento, em que especialistas de fato possam emitir suas opiniões. "Essa
mudança eliminaria as notícias falsas e, no caso de aconselhamento médico, por exemplo, pagar-seia por pareceres de um verdadeiro profissional. Sonho com isso, e acho sim que a transformação é
possível" - defende ele.
Tristan Harris, 33, ex-designer de Ética do Google, para onde trabalhou até 2016, se tornou
uma espécie de mascote para o time dos radicais livres, ao fundar o Centro de Tecnologia Humana.
Ele aposta em quatro soluções: as empresas precisam redesenhar suas interfaces para minimizar
nosso tempo de tela; os governos têm de pressionar as empresas de tecnologia para adotarem
modelos de negócios humanitários; consumidores se defrontam com a tarefa de assumir o controle
de suas vidas digitais através de uma conscientização; e os funcionários das empresas de tecnologia
devem se capacitar para construir soluções que melhorem a sociedade.
E como isso se dará no Brasil, que vive a realidade de uma cultura digital especialmente
disseminada? Segundo o último levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel),
o país conta com uma base instalada de 235,5 milhões de aparelhos celulares (densidade de 112,6
aparelhos para cada 100 habitantes) e 116 milhões de usuários de Internet.
Contatos perdidos
Para a professora da UFRJ e teórica da comunicação Raquel Paiva, a conscientização só podería
ocorrer se (ou quando) o usuário brasileiro perceber que está se relacionando mais com máquinas
do que com pessoas. "Somos um povo gregário, que necessita de vinculação, precisa do olhar do
outro para se ver. O que temo é que as pessoas demorem muito a perceber que não cuidaram
do seu entorno, que perderam a sociabilidade e deterioraram o seu convívio e sua capacidade de
comunicação" - diz.
Ao descobrir que as informações pessoais dos usuários do Facebook eram vazadas para
terceiros, Paiva fechou, de bate-pronto, a conta que tinha na rede social. "Acabei sendo eu a punida,
pois perdi o acesso à maioria dos serviços que utilizava no cotidiano, como a compra de produtos
orgânicos e roupas alternativas. Também me vi privada do contato com alguns colegas acadêmicos,
uma vez que eles passaram a "existir" apenas no âmbito do Facebook" - conta a professora.
O documentarista canadense Geoff D'Eon, diretor de As vítimas do Facebook, diz simpatizar
com a crítica dura dos digerati, mas faz ponderação pertinente: "A desconexão em massa, na prática,
não vai acontecer. E não iremos resolver problemas sérios, como a explosão de notícias falsas, cyber-bullying, revenge porn, perda de privacidade e vazamento indiscriminado de informação,
apenas com a elite intelectual se retirando das redes sociais. O restante da população seguirá, e as
corporações vão continuar ganhando dinheiro. É muito tarde para um caminho de volta. Talvez a
saída seja pensar melhor no que postar, ser mais consciente e cauteloso em relação ao que e com
quem dividimos nossa vida online".
Rosane Serro, O Globo, 7/7/2018.
Radicais Livres
Precursores da Internet se transformam em militantes anti-digital
Quando a internet comercial ainda engatinhava, um grupo de pensadores - cientistas, filósofos, sociólogos, profissionais liberais - se dedicou a imaginar e construir o ciberespaço, a então nova fronteira da humanidade. Ele tomaria forma com a hiperconectividade dos indivíduos em rede, que poderiam, se quisessem, adotar múltiplas identidades naquele ambiente artificial. Só que hoje, pouco mais de 30 anos depois, os protagonistas desse círculo estão fazendo um apelo desesperado para que a sociedade se desconecte, sob pena de extinguir o que nos resta de humano.
O cenário retratado pelos digerati é quase devastador. A alcunha vem de literati, "homens letrados" em latim, termo adaptado, com uma certa verve, para a era digital. E a narrativa comum é a virada da internet ao avesso: de um imenso território de liberdade e experimentação criativa, ela teria se transformado num loteamento de espaços fechados, simbolizados pela onipresença das redes sociais. Um espaço em que usuários têm dados espionados, ações monitoradas e vontades manipuladas. Mais: esses agrupamentos que se vendem como locais de convivência abertos e gratuitos, portanto próximos do que imaginaram originalmente os digerati, hoje cobram caro. Quase todos os frequentadores são obrigados a ver o que é anunciado ali.
Cientista, compositor e escritor, Jaron Lanier, de 58 anos, foi o criador do conceito de realidade virtual. Fundador da primeira empresa a comercializar essa solução em escala industrial, o novaiorquino é um dos principais articuladores desse movimento. Lanier tem levado seus dreadlocks longuíssimos aos quatro cantos do mundo em uma campanha de alerta contra o que chama de "os impérios de modificação de comportamento", como classificou em sua palestra no TED Talks, em maio. Ele não tem Twitter, Red d it ou Facebook e acaba de lançar o chamado às armas "Ten arguments for deleting your social media accounts right now" ("Dez argumentos para deletar agora sua conta nas redes sociais", em tradução livre).
O mecanismo dos likes
Lanier alega que nas redes sociais o cidadão perde seu livre-arbítrio e se submete ao mecanismo viciante dos likes: "Eles alimentam esses sentimentos, e você fica preso num loop", diz. A discussão é tão procedente que o criador da World Wide Web, o físico inglês Tim Berners-Lee, 63, afirmou, na edição deste mês da revista Vanity Fair, que está "devastado" com os rumos de sua invenção. Ele decidiu desenvolver um antídoto: trabalha no momento em uma plataforma para redescentralizar a internet, para devolver aos usuários o poder e a autonomia sobre os dados que desejam acessar. "Quem quer assegurar que a internet sirva de fato à humanidade está hoje preocupado com o que vê no mundo digital" - diz.
Especialista em estudos de ciência e tecnologia, Sherry Turkle, 70, vai além. E recomenda o desligamento de celulares e redes sociais. Professora do Massachusetts Institute of Technology, ela acompanhou a mudança de comportamento dos usuários online e estudou desde as múltiplas personas que habitavam os mundos artificiais até a egotrip e a alienação que comprometem o convívio na sociedade real. Turkle é autora do primeiro livro sobre a formação da identidade no ambiente virtual, ''Life on the screen" ("Vida na tela" em tradução livre, de 1995). Em abril, ela publicou um artigo analisando como o crescente repúdio ao Facebook não nos impedirá de seguir ativos na rede social. O motivo? "Ele nos permite ter uma versão melhor de nós mesmos".
Cientista da computação, escritor e ativista do Software Livre, o americano Richard Stallman, 65, discorda da proposta de desconexão total. Com uma forte ressalva. O uso que ele faz é bem peculiar. Stallman não tem celular, não entra em redes sociais e aboliu aplicativos e programas que utilizam software proprietário. Argumenta que eles são desenhados pelas corporações justamente para manipular e controlar dados dos usuários. "As empresas que desenvolvem esses programas têm controle total sobre o que as pessoas fazem. Se quiserem, elas podem espionar usuários, restringilos ou manipulá-los. Estamos indefesos, impotentes perante a vontade das corporações" - afirma.
Todas as mensagens que Stallman envia de seu correio eletrônico chegam com uma declaração de defesa da Constituição dos EUA, num recado a "eventuais agentes federais americanos que estejam lendo". Ele fez a reportagem assumir por escrito que leria 13 artigos sobre software livre e se negou a conversar por Skype ou WhatsApp.
O cientista conta ainda que disse "não, obrigado" ao aprender que todo smartphone, sem exceção, permite às redes telefônicas seguir seus movimentos. E que, segundo ele, quase todo aparelho pode ser convertido num dispositivo de escuta. "Não foi difícil dizer não, já que a alternativa era entregar minha liberdade" - argumenta.
Procurados por O Globo, Facebook e Twitter não se pronunciaram. O Google informou em nota que anunciou em maio novos recursos com o objetivo de ajudar os usuários a recorrer à tecnologia "de forma mais criteriosa, para desconectar quando necessário e criar hábitos saudáveis em suas famílias".
Sérgio Branco, diretor e fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, voltado para a promoção de práticas de regulação na área, concorda que as pessoas ainda não se conscientizaram do perigo, especialmente, porque, ele diz, "vive-se a ilusão de que tudo é gratuito". "Jamais será um ato puramente inocente fornecer dados em troca de conteúdo, porque não temos controle sobre o que as empresas farão com eles" - alerta o advogado.
Como exemplo, ele cita um caso revelado pelo documentário As vítimas do Facebook, lançado pelos diretores canadenses Geoff D'Eon e Jay Dahl em 2011. Uma mulher diagnosticada com depressão severa recebeu como indicação médica sair de férias. Levou a mãe a um cruzeiro no Caribe e postou fotos no Facebook. Seu plano de saúde, que monitorava os dados, viu a foto e cancelou o serviço. A alegação? Quem está em depressão profunda não viaja para o Caribe de férias e muito menos celebra a alegria no universo digital.
Redes sociais: outras formas de compartilhar
Se o ciberespaço hoje aparenta ser um lugar ameaçador, a solução para voltarmos a habitar um local seguro e livre pode ser resumida em uma única palavra: conscientização. Stallman, em seu libelo em favor das liberdades individuais, duvida que as empresas desistam de seus lucros para racionalizar o que estão fazendo. Ele aponta uma saída simples e objetiva: "Depende de nós. Precisamos nos recusar a usar programas e plataformas abusivas. A maneira de acabar com o poder das empresas sobre os usuários é insistir em que eles usem software livre. Assim, eles próprios controlariam os programas e poderíam alterá-los. Quando seus amigos disserem que não querem mais usar Facebook, WhatsApp, Skype ou qualquer outro sistema de comunicação viciante, por favor, faça um esforço e coopere. Não descarte a amizade, encontre outras formas de dividir com eles informações sobre eventos sociais" - diz Stallman.
Já Jaron Lanier sugere "voltar o relógio" e reinventar a participação nas redes sociais. Não mais aceitar um ambiente de oferta de conteúdo aparentemente gratuito, mas ajudar a financiar espaços de concentração de conhecimento, em que especialistas de fato possam emitir suas opiniões. "Essa mudança eliminaria as notícias falsas e, no caso de aconselhamento médico, por exemplo, pagar-seia por pareceres de um verdadeiro profissional. Sonho com isso, e acho sim que a transformação é possível" - defende ele.
Tristan Harris, 33, ex-designer de Ética do Google, para onde trabalhou até 2016, se tornou uma espécie de mascote para o time dos radicais livres, ao fundar o Centro de Tecnologia Humana. Ele aposta em quatro soluções: as empresas precisam redesenhar suas interfaces para minimizar nosso tempo de tela; os governos têm de pressionar as empresas de tecnologia para adotarem modelos de negócios humanitários; consumidores se defrontam com a tarefa de assumir o controle de suas vidas digitais através de uma conscientização; e os funcionários das empresas de tecnologia devem se capacitar para construir soluções que melhorem a sociedade.
E como isso se dará no Brasil, que vive a realidade de uma cultura digital especialmente disseminada? Segundo o último levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o país conta com uma base instalada de 235,5 milhões de aparelhos celulares (densidade de 112,6 aparelhos para cada 100 habitantes) e 116 milhões de usuários de Internet.
Contatos perdidos
Para a professora da UFRJ e teórica da comunicação Raquel Paiva, a conscientização só podería ocorrer se (ou quando) o usuário brasileiro perceber que está se relacionando mais com máquinas do que com pessoas. "Somos um povo gregário, que necessita de vinculação, precisa do olhar do outro para se ver. O que temo é que as pessoas demorem muito a perceber que não cuidaram do seu entorno, que perderam a sociabilidade e deterioraram o seu convívio e sua capacidade de comunicação" - diz.
Ao descobrir que as informações pessoais dos usuários do Facebook eram vazadas para terceiros, Paiva fechou, de bate-pronto, a conta que tinha na rede social. "Acabei sendo eu a punida, pois perdi o acesso à maioria dos serviços que utilizava no cotidiano, como a compra de produtos orgânicos e roupas alternativas. Também me vi privada do contato com alguns colegas acadêmicos, uma vez que eles passaram a "existir" apenas no âmbito do Facebook" - conta a professora.
O documentarista canadense Geoff D'Eon, diretor de As vítimas do Facebook, diz simpatizar com a crítica dura dos digerati, mas faz ponderação pertinente: "A desconexão em massa, na prática, não vai acontecer. E não iremos resolver problemas sérios, como a explosão de notícias falsas, cyber-bullying, revenge porn, perda de privacidade e vazamento indiscriminado de informação, apenas com a elite intelectual se retirando das redes sociais. O restante da população seguirá, e as corporações vão continuar ganhando dinheiro. É muito tarde para um caminho de volta. Talvez a saída seja pensar melhor no que postar, ser mais consciente e cauteloso em relação ao que e com quem dividimos nossa vida online".
Rosane Serro, O Globo, 7/7/2018.