Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
Ao configurar as Memórias póstumas de Brás Cubas como narrativa em primeira pessoa, conforme se verifica no trecho, Machado de Assis
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
Ao configurar as Memórias póstumas de Brás Cubas como narrativa em primeira pessoa, conforme se verifica no trecho, Machado de Assis
Gabarito comentado
Comentário da Questão:
Tema central: Interpretação de texto, com foco em análise de narrador, ironia e crítica social na literatura.
Justificativa da alternativa correta (C):
O enunciado destaca que as Memórias Póstumas de Brás Cubas são contadas em primeira pessoa, ou seja, pela perspectiva do próprio Brás Cubas, personagem que faz parte da elite escravocrata e rentista do século XIX. Machado de Assis adota esse foco narrativo para que o protagonista, ao narrar sua própria história, exponha sem pudores a desfaçatez, o egoísmo e os vícios de sua classe social, muitas vezes de forma inconsciente e irônica. Conforme explica Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), o narrador em primeira pessoa é necessariamente subjetivo e revela traços do psicológico do personagem, recurso que Machado domina para promover a crítica social.
Ironia, elemento central do Realismo machadiano, fortalece esse procedimento, pois o narrador revela traços de cinismo e autocrítica involuntária ao falar abertamente de sua fortuna, de seu solteirismo e da própria morte, como se tudo fosse trivial.
Análise das alternativas incorretas:
- A: Embora a obra seja realista, a questão exige a função do narrador e não apenas o alinhamento ao Realismo.
- B: Há uma crítica ao Romantismo, mas o mais relevante é o uso do narrador para expor a elite escravocrata.
- D: Não há paródia direta a Memórias de um sargento de milícias; o estilo e intenção são diferentes.
- E: Narrador em primeira pessoa não garante confiabilidade; pode ser parcial, limitado e até enganoso.
Como acertar esse tipo de questão:
Observe quem narra e de que ponto de vista. Repare no tom irônico e crítico, especialmente em textos do Realismo brasileiro. Desconfie de alternativas que falem em total confiabilidade do narrador em primeira pessoa.
Resumo: Machado de Assis, ao usar Brás Cubas como narrador em primeira pessoa, permite que o próprio personagem revele os defeitos de sua classe — elite escravocrata — por meio da ironia e do cinismo. Isso torna a alternativa C a correta.
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