“Mas e se o eleitor só quiser saber do pinto ou do pato, e não
do ovo de onde ele saiu?” (4°
parágrafo)
No contexto, “o pinto ou o pato” e “ovo de onde ele saiu”
referem-se, respectivamente,
Leia a crônica de Ruy Castro para responder à questão.
Como um tumor
Cientistas da Universidade de Hiroshima, no Japão, criaram uma rã transparente, cujas intimidades ficam expostas e
podem ser perfeitamente observadas pelo lado de fora. Com
isso, salvaram-se gerações inteiras de rãs, porque os cientistas não precisarão mais dissecá-las para saber como reagem
às substâncias que eles vivem lhes injetando. Outra vantagem é a de que poderão acompanhar uma rã por todo o seu
ciclo de vida — o ciclo de vida da rã, claro, não dos cientistas. Para chegar à rã transparente, os japoneses, craques em
engenharia genética, levaram anos cruzando exemplares de
rãs albinas. E agora partiram para aperfeiçoá-la: vão fazer
com que qualquer corpo estranho que apareça dentro da rã
se acenda. Um tumor, por exemplo. Já no Marrocos, também nesta semana, os cientistas da
Universidade de Rabat conseguiram com que um pato nascesse no ovo de uma galinha. Se isso lhe parece meio mixo
(afinal, no mesmo dia, em Recife, uma avó deu à luz seus
próprios netos, lembra-se?), saiba que a proeza marroquina
é considerada mais importante, pelo fato de os palmípedes e
os galináceos constituírem famílias diferentes. Por coincidência, é o que se está discutindo em Brasília
nos últimos dias: um político gerado num ovo destinado a
palmípedes pode se baldear no meio do mandato para o terreiro dos galináceos, por ver neste mais oportunidades para
ciscar? Em princípio, não. Mas e se o eleitor só quiser saber
do pinto ou do pato, e não do ovo de onde ele saiu? Essas mudanças nunca são de graça. Assim, sugiro convocar os japoneses para cruzar nossos políticos com as rãs
albinas e, com isso, criar políticos transparentes. Quando
um deles recebesse um corpo estranho — uma propina, por
exemplo —, esse corpo se acenderia. Como um tumor.
(Crônicas para ler na escola, 2010.)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de textos com foco em figuras de linguagem (metáfora e analogia), além do reconhecimento de elementos coesivos e semânticos da crônica.
No texto, o cronista faz uma provocação ao comparar experimentos biológicos com o comportamento político, utilizando metáforas (“pinto ou pato”) e analogia (“ovo de onde ele saiu”). Analisar essas associações é fundamental para identificar a alternativa correta.
Justificativa da alternativa correta (B):
No trecho analisado — “Mas e se o eleitor só quiser saber do pinto ou do pato, e não do ovo de onde ele saiu?” —, o autor faz uma analogia entre os animais e os políticos. “Pinto” e “pato” representam, de forma metafórica, políticos específicos, ou seja, as pessoas que ocupam cargos eletivos. O “ovo de onde ele saiu” simboliza o partido pelo qual o político foi eleito. Essa leitura se baseia na relação natural entre animal e origem (assim como político e partido). Segundo gramáticos como Celso Cunha, é essencial prestar atenção ao sentido figurado dos termos em textos opinativos.
Por que as alternativas estão incorretas:
- A) Não existe associação no texto entre “pinto ou pato” e desonestidade, nem entre “ovo” e valores pessoais.
- C) O texto não aborda questões financeiras nem de família; trata da relação político/partido.
- D) Não há oposição entre honestidade e desonestidade nas expressões analisadas.
- E) O “ovo” representa o partido, e não o eleitor.
Estratégias para acertar questões desse tipo:
- Busque relacionar metáforas ao contexto do texto, observando o sentido figurado das palavras.
- Identifique pronomes e expressões que recuperam ideias anteriores para entender o que cada termo remete.
- Cuidado com pegadinhas: termos com valor conotativo podem induzir ao erro se interpretados literalmente.
Interpretação cuidadosa e domínio das figuras de linguagem — como defendem Bechara e Cunha & Cintra — são essenciais para questões de crônica nos concursos.
Gabarito: B — a um político específico e ao partido pelo qual ele foi eleito.
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