As personagens que compõem a cena são descritas pelo narrador, ora
de maneira concisa, por meio de breves estruturas frasais, ora de
maneira detalhada, por meio do uso de farta adjetivação. É o que se
verifica, respectivamente, com as personagens identificadas no texto
pelas expressões
À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em
toda a grandeza fúnebre dos justiçadores. De preto. Calculando
magnificamente os passos pelos do diretor, seguiam-no em guarda de honra
muitos professores. À porta fronteira, mais professores de pé e os bedéis ainda,
e a multidão bisbilhoteira dos criados.
Tão grande a calada, que se distinguia nítido o tique-taque do relógio, na
sala de espera, palpitando os ansiados segundos.
Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço com
um bafejo de todo-poderoso.
E, sem exórdio:
“Levante-se, Sr. Cândido Lima! “Apresento-lhes, meus senhores, a Sra. D.
Cândida”, acrescentou com uma ironia desanimada.
“Para o meio da casa! e curve-se diante dos seus colegas!”
Cândido era um grande menino, beiçudo, louro, de olhos verdes e
maneiras difíceis de indolência e enfado. Atravessou devagar a sala, dobrando
a cabeça, cobrindo o rosto com a manga, castigado pela curiosidade pública.
“Levante-se, Sr. Emílio Tourinho...
Este é o cúmplice, meus senhores!”
Tourinho era um pouco mais velho que o outro, porém mais baixo;
atarracado, moreno, ventas arregaladas, sobrancelhas crespas, fazendo um
só arco pela testa. Nada absolutamente conformado para galã; mas era com
efeito o amante.
“Venha ajoelhar-se com o companheiro.”
“Agora, os auxiliares...”
Desde as cinco horas da manhã
trabalhava Aristarco no processo. O
interrogatório, com o apêndice das
delações da polícia secreta e dos tímidos,
comprometera apenas dez alunos.
A chamado do diretor, foram
deixando os lugares e postando-se de joelhos em seguimento dos principais
culpados.
“Estes são os acólitos da vergonha, os corréus do silêncio!”
Cândido e Tourinho, braço dobrado contra os olhos, espreitavam-se a
furto, confortando-se na identidade da desgraça, como Francesca e Paolo* no
inferno.
Prostrados os doze rapazes perante Aristarco, na passagem alongada
entre as cabeceiras das mesas, parecia aquilo um ritual desconhecido de
noivado: a espera da bênção para o casal à frente.
Em vez da bênção chovia a cólera.
Raul Pompeia, O Ateneu.
* Francesca e Paolo: personagens de A Divina Comédia, de Dante
Alighieri.
À hora do primeiro almoço, como prometera, Aristarco mostrou-se em toda a grandeza fúnebre dos justiçadores. De preto. Calculando magnificamente os passos pelos do diretor, seguiam-no em guarda de honra muitos professores. À porta fronteira, mais professores de pé e os bedéis ainda, e a multidão bisbilhoteira dos criados.
Tão grande a calada, que se distinguia nítido o tique-taque do relógio, na sala de espera, palpitando os ansiados segundos.
Aristarco soprou duas vezes através do bigode, inundando o espaço com um bafejo de todo-poderoso.
E, sem exórdio:
“Levante-se, Sr. Cândido Lima! “Apresento-lhes, meus senhores, a Sra. D. Cândida”, acrescentou com uma ironia desanimada.
“Para o meio da casa! e curve-se diante dos seus colegas!”
Cândido era um grande menino, beiçudo, louro, de olhos verdes e maneiras difíceis de indolência e enfado. Atravessou devagar a sala, dobrando a cabeça, cobrindo o rosto com a manga, castigado pela curiosidade pública.
“Levante-se, Sr. Emílio Tourinho...
Este é o cúmplice, meus senhores!”
Tourinho era um pouco mais velho que o outro, porém mais baixo; atarracado, moreno, ventas arregaladas, sobrancelhas crespas, fazendo um só arco pela testa. Nada absolutamente conformado para galã; mas era com efeito o amante.
“Venha ajoelhar-se com o companheiro.”
“Agora, os auxiliares...”
Desde as cinco horas da manhã trabalhava Aristarco no processo. O interrogatório, com o apêndice das delações da polícia secreta e dos tímidos, comprometera apenas dez alunos.
A chamado do diretor, foram deixando os lugares e postando-se de joelhos em seguimento dos principais culpados.
“Estes são os acólitos da vergonha, os corréus do silêncio!”
Cândido e Tourinho, braço dobrado contra os olhos, espreitavam-se a furto, confortando-se na identidade da desgraça, como Francesca e Paolo* no inferno.
Prostrados os doze rapazes perante Aristarco, na passagem alongada entre as cabeceiras das mesas, parecia aquilo um ritual desconhecido de noivado: a espera da bênção para o casal à frente.
Em vez da bênção chovia a cólera.
Raul Pompeia, O Ateneu.
* Francesca e Paolo: personagens de A Divina Comédia, de Dante Alighieri.