Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
      Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.

                                                              Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

Para a composição do texto, o autor recorre ao emprego reiterado do recurso da antítese, como se pode verificar nos pares de palavras “princípio" e “fim", e “nascimento" e “morte". Examine os seguintes pares de palavras, considerando a relação de sentido que eles têm no contexto.

I "campa" e “berço";
II “galante" e "novo";
III “introito" e “cabo";
IV “rijos" e “prósperos".

É correto afirmar que constituem antíteses apenas os pares

Tema central: Esta questão avalia interpretação de texto, especificamente o reconhecimento da antítese, uma figura de linguagem que contrapõe palavras de sentido oposto para destacar contrastes.

O que é antítese? Segundo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), antítese é a aproximação de termos ou ideias opostas, como em “vida” e “morte”. É importante lembrar: a antítese realça diferenças, mas não cria contradição lógica no texto.

Justificativa da alternativa correta (C):

• I) “campa” (sepultura, morte) vs. “berço” (nascimento) — opostos quanto ao ciclo da vida. Clareza de antítese.
• III) “introito” (início, entrada) vs. “cabo” (fim, término) — mostram começo e fim, mais um exemplo clássico de antítese.

Esses pares reforçam a oposição entre início e fim, tema essencial do texto de Machado de Assis, que estrutura suas memórias entre a morte (“campa”) e o nascimento (“berço”).

Por que as demais alternativas estão erradas?

• II) “galante” (elegante) e “novo” (recente) não são opostos; são adjetivos positivos e independentes, portanto, não formam antítese.
• IV) “rijos” (fortes) e “prósperos” (afortunados, bem-sucedidos) não apresentam oposição: são características associadas, e não contrastantes.

Estratégias para questões do tipo: Sempre leia atentamente o significado dos termos, buscando pares com sentidos explicitamente opostos. Desconfie de alternativas com adjetivos de mesma carga valorativa (ambos positivos ou ambos negativos), pois raramente serão antíteses. Além disso, atente-se para termos menos imediatos (“cabo”, “introito”, por exemplo), recorrendo ao contexto para esclarecer sentidos menos usuais.

Essa análise refere-se, conforme as principais gramáticas (Celso Cunha & Lindley Cintra, Rocha Lima), à figura de pensamento — antítese — de uso frequente em textos literários para realçar contrapontos e dar expressividade ao discurso.

Conclusão: Os únicos pares que, no texto, cumprem o requisito de oposição clara (antítese) são I e III. Portanto, o gabarito correto é a alternativa C.

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