Questão a7da27df-b6
Prova:IF Sudeste - MG 2018
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Leia atentamente o poema a seguir.

TRISTE HORIZONTE

Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia
e continua branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes
das avenidas que levam ao amor,
nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam
os puros jogos de viver.
Anda! Volta lá, volta já.

E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não merece ser visto,
o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser.
Não o passado cor-de-cores fantásticas,
Belo Horizonte sorrindo púbere núbil sensual sem malícia,
lugar de ler os clássicos e amar as artes novas,
lugar muito especial pela graça do clima
e pelo gosto, que não tem preço,
de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto.
Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas,
"maravilha de milhares de brilhos vidrilhos"
mariodeandrademente celebrada.
Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras.
Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas.
Era um remanso, era um remanso
para fugir às partes agitadas do Brasil
sorrindo do Rio de Janeiro e de São Paulo: tão prafentrex, as duas!
e nós lá: macio-amesendados
na calma e na verde brisa irônica. . .

Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte
que se empavonava sobre o corpo crucificado da primeira.
Quero não saber da traição de seus santos.
Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos.
São José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis.
São José dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau
onde amarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito.
São José vai entrar feio no comércio de imóveis,
vendendo seus jardins reservados a Deus.
São Pedro instala supermercado.
Nossa Senhora das Dores,
amizade da gente na Floresta,
(vi crescer sua igreja à sombra do Padre Artur)
abre caderneta de poupança,
lojas de acessórios para carros,
papelaria, aviários, pães-de-queijo.

Terão endoidecido esses meus santos
e a dolorida mãe de Deus?
Ou foi em nome deles que pastores
deixam de pastorear para faturar?
Não escutem a voz de Jeremias
(e é o Senhor que fala por sua boa de vergasta):
"Eu vos introduzi numa terra fértil,
e depois de lá entrardes a profanastes.
Ai dos pastores que perdem e despedaçam
o rebanho de minha pastagem!
Eis que os visitarei para castigar a esperteza de seus desígnios".

Fujo
da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor.
Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me
em seu austero píncaro serrano.
De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte
sem escutar os rumos dos negócios abafando a litania dos fiéis.
Lá o imenso azul desenha ainda as mensagens
de esperança nos homens pacificados - os doces mineiros
que teimam em existir no caos e no tráfico.
Em vão tento a escalada.
Cassetetes e revólveres me barram
a subida que era alegria dominical de minha gente.
Proibido escalar. Proibido sentir
o ar de liberdade destes cimos,
proibido viver a selvagem intimidade destas pedras
que se vão desfazendo em forma de dinheiro.
Esta serra tem dono. Não mais a natureza
a governa. Desfaz-se, com o minério
uma antiga aliança , um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralado todos,
a Serra do Curral, os moradores
cá embaixo. Jeremias me avisa:
"Foi assolada toda a serra; de improviso
derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões.
Vi os montes, e eis que tremiam.
E todos os outeiros estremeciam.
Olhei a terra, e eis que estava vazia,
sem nada nada nada".

Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez
o impróprio convite.
Não quero mais, não quero ver-te,
meu Triste Horizonte e destroçado amor.

ANDRADE, Carlos Drummond de. “Triste horizonte”. In: Estado de Minas, 2o caderno, p. 1, 15 ago. 1976.

Em relação ao poema, analise as assertivas a seguir.

I. Carlos Drummond de Andrade lamenta as perdas sofridas e anseia esquecer as discrepâncias entre a cidade de que se lembra afetivamente e a que se ergue diante de seu olhar.
II. Pode-se dizer que o pacato e o efêmero, a tradição e a modernidade são contradições que foram registradas por Carlos Drummond de Andrade.
III. O receio de Carlos Drummond de Andrade em retornar a Belo Horizonte se relaciona à inconformidade com as transformações que atravessaram a cidade.
IV. Carlos Drummond de Andrade demonstra um receio de aceitar o convite de seu alterego de retornar à cidade de Belo Horizonte.

Marque a alternativa CORRETA.

A
Somente as alternativas I e II estão corretas.
B
Somente as alternativas II e III estão corretas.
C
Somente as alternativas III e IV estão corretas.
D
Somente a alternativa III está correta.
E
Somente as alternativas I, II e III estão corretas.

Gabarito comentado

P
Patricia Almeida Monitor do Qconcursos

Gabarito: E) Somente as alternativas I, II e III estão corretas.

Tema central da questão: Interpretação de texto, com foco na análise literária do poema e na distinção entre ideias centrais e secundárias, conforme recomendações de Bechara e Koch & Elias: captar o sentido global e a coerência do texto.

Justificativa da alternativa correta:

I. Correta. O eu-lírico expressa um lamento pelas mudanças sofridas por Belo Horizonte e deseja esquecer as discrepâncias entre a memória afetiva e a cidade transformada. Observe trechos como: “Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido...”.

II. Correta. Há o registro claro das contradições entre tradicional e moderno, pacífico e efêmero. As passagens que idealizam a velha cidade contrastam com as críticas à modernização e à “traição dos santos”. Trata-se do uso de antítese, conforme Cegalla indica como recurso para enfatizar oposições no texto.

III. Correta. O receio do retorno está associado à inconformidade com transformações profundas da cidade: “Quero não saber da traição de seus santos...” e “proibido viver a selvagem intimidade destas pedras...” As mudanças tiram do eu-lírico o desejo de rever a cidade.

Análise das alternativas incorretas:

IV. Incorreta. O texto não atribui o convite a um alter ego, e sim a uma voz interna de saudade. Alter ego é um “outro eu”, uma persona distinta; aqui, “a saudade cicia” atua como sentimento, não como um personagem.

Estratégias de interpretação para questões semelhantes:

- Atenção à voz do eu-lírico e à intenção do texto; busque termos que indiquem opinião, desejo ou sentimento do sujeito poético.

- Observe palavras que contrapõem ideias, como “era” versus “é”, e comparações entre passado e presente: isso mostra contraste, contradição ou mudança de perspectiva.

- Em alternativas, desconfie de termos subjetivos ou conceitos mal definidos como “alter ego”, a menos que o texto sinalize claramente essa personificação.

Segundo Bechara e Cegalla, interpretar é articular o explícito e o implícito, sem extrapolar além do que o texto oferece.

Concluindo: O poema lamenta as perdas e mudanças, contrasta épocas e rejeita a cidade atual—por isso, I, II e III estão corretas. Foque sempre na leitura atenta e no apoio a palavras-chave para evitar armadilhas de interpretação.

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