O trecho narra
Os sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), em que se
narram eventos referentes a uma das expedições militares
enviadas pelo governo federal para combater Antônio Conselheiro
e seus seguidores sediados em Canudos.
Oitocentos homens desapareciam em fuga, abandonando
as espingardas; arriando as padiolas, em que se estorciam
feridos; jogando fora as peças de equipamento; desarmando-
-se; desapertando os cinturões, para a carreira desafogada;
e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em
bandos erradios, correndo pelas estradas e pelas trilhas que
as recortam, correndo para o recesso das caatingas, tontos,
apavorados, sem chefes... Entre os fardos atirados à beira do caminho ficara, logo
ao desencadear-se o pânico – tristíssimo pormenor! – o cadáver
do comandante. Não o defenderam. Não houve um
breve simulacro de repulsa contra o inimigo, que não viam
e adivinhavam no estrídulo dos gritos desafiadores e nos estampidos
de um tiroteio irregular e escasso, como o de uma
caçada. Aos primeiros tiros os batalhões diluíram-se. Apenas a artilharia, na extrema retaguarda, seguia vagarosa
e unida, solene quase, na marcha habitual de uma
revista, em que parava de quando em quando para varrer
a disparos as macegas traiçoeiras; e prosseguindo depois,
lentamente, rodando, inabordável, terrível... [...] Um a um tombavam os soldados da guarnição estoica. Feridos ou espantados os muares da tração empacavam; torciam
de rumo; impossibilitavam a marcha. A bateria afinal parou. Os canhões, emperrados, imobilizaram-se
numa volta do caminho... O coronel Tamarindo, que volvera à retaguarda, agitando-se
destemeroso e infatigável entre os fugitivos, penitenciando-se
heroicamente, na hora da catástrofe, da tibieza
anterior, ao deparar com aquele quadro estupendo, procurou
debalde socorrer os únicos soldados que tinham ido a
Canudos. Neste pressuposto ordenou toques repetidos de
“meia-volta, alto!”. As notas das cornetas, convulsivas, emitidas
pelos corneteiros sem fôlego, vibraram inutilmente. Ou
melhor – aceleraram a fuga. Naquela desordem só havia uma
determinação possível: “debandar!”. Debalde alguns oficiais, indignados, engatilhavam revólveres
ao peito dos foragidos. Não havia contê-los. Passavam;
corriam; corriam doudamente; corriam dos oficiais; corriam
dos jagunços; e ao verem aqueles, que eram de preferência
alvejados pelos últimos, caírem malferidos, não se comoviam.
O capitão Vilarim batera-se valentemente quase só e
ao baquear, morto, não encontrou entre os que comandava
um braço que o sustivesse. Os próprios feridos e enfermos
estropiados lá se iam, cambeteando, arrastando-se penosamente,
imprecando os companheiros mais ágeis... As notas das cornetas vibravam em cima desse tumulto,
imperceptíveis, inúteis... Por fim cessaram. Não tinham a quem chamar. A infantaria
desaparecera...
(Os sertões, 2016.)
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de texto. Aqui, exige-se a identificação do evento principal narrado, com atenção à coesão (os conectivos e ligações entre partes) e à coerência textual (a lógica dos fatos).
Análise da alternativa correta – C) “o desfecho desastroso da expedição militar.”
Pela norma-padrão e segundo gramáticas de referência (Bechara; Cunha & Cintra), interpretar um texto pressupõe identificar sua ideia principal. Aqui, percebe-se a derrota completa das tropas do governo na Guerra de Canudos: a fuga dos soldados, a perda de comando, a inutilidade dos apelos dos oficiais e a desordem geral mostram o fracasso da expedição militar. Expressões como “ninguém os conteve”, “correndo doudamente” e “não tinham a quem chamar” confirmam esse desfecho. O foco, portanto, não está em Canudos ou nos jagunços, mas na desagregação do exército oficial.
Por que as alternativas estão incorretas?
A) "A debandada trágica dos seguidores de Antônio Conselheiro": Errado. O texto refere-se exclusivamente à debandada dos soldados do governo, não dos seguidores de Conselheiro.
B) "A completa aniquilação do povoado de Canudos": Errado. Não há menção à destruição do povoado, apenas à fuga e derrota militar.
D) "O desmantelamento dos dois grupos de combatentes": Errado. O texto não aborda dois grupos sendo derrotados; só aparece a dispersão da tropa do governo.
E) "A resistência heroica dos soldados do governo": Errado. Ao contrário, há destaque para a fuga e para a ausência de bravura coletiva. Somente citações pontuais de esforço individual, que não caracterizam a tônica de “resistência heroica”.
Estratégias de leitura: atenção ao foco narrativo (“oitocentos homens desapareciam...”, “a infantaria desaparecera...”), evitando confundir o sujeito (quem está fugindo). Cuidado com alternativas que sugerem ações de outros grupos.
Síntese: questões como essa exigem ler além do literal, observando efeitos de contexto e progressão de ideias, conforme ensinam grandes gramáticos. Domine a identificação do eixo temático do trecho para acertar.
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